Place Royale? O que é isso? Bom, vou ter uma prova sobre esse assunto semana que vem, então, qual a melhor maneira de estudar do que escrever sobre ele e de quebra falar sobre um dos lugares mais visitados de Paris?
Place Royale é um tipo de praça com uma arquitetura específica e que possui ao centro uma estátua do rei da época, obra que pode ser pedestre ou equestre (montado em um cavalo). A Place des Vosges é uma delas, ou melhor, é a primeira delas, pois foi a partir dali que esse tipo de praça se desenvolveu, inclusive em várias cidades da França.
O bairro onde fica a praça é o Marais que, como o nome diz, era um lugar pantanoso (marais é pântano em francês) formado pelas idas e vindas do Sena. Onde hoje está a praça, ficava o hôtel de Tournelle, construído em 1388, por Pierre d’Orgemont, chanceler da França. O lugar levava esse nome porque havia várias pequenas torres nos muros que cercavam a propriedade. Ela tinha nada menos do que dois parques, seis jardins, vários pequenos bosques, um mini zoológico, fora os cômodos internos. Um verdadeiro palacete real.
E de fato é o que o hôtel de Tournelles vai se tornar, já que no século XV ele é comprado pela Coroa e se torna a Maison Royale de Tournelles. Dizem que os reis, apesar de, em Paris, morar no Louvre nessa época, gostavam mais do “pequeno” palacete do que do grande castelo.
Até que em 1559, o rei Henri II resolve organizar ali perto um grande torneio para comemorar a aliança com o rei da Espanha, Filipe II. Dizem que a rainha, Catherine de Médicis, havia sido alertada por um astrólogo de que algo poderia acontecer com o soberano durante um torneio. Lenda ou não, o fato é que a lança do adversário, Gabriel de Montgomery, levanta o capacete de Henri II, que é ferido gravemente no olho.
Levado para o hôtel de Tournelles, o rei agoniza durante dez dias e morre. Nem os melhores cirurgiões franceses daquela época conseguiram curá-lo. Abalada e considerando o lugar como maldito, a rainha resolve demoli-lo.
Nos anos que se seguem, o terreno se torna um mercado de cavalos. Depois, local de encontros de mendigos e bêbados. Até que no começo do século XVII, o rei Henri IV decide construir ali uma praça para acolher festas e manifestações.
Na verdade, a praça era parte de um projeto maior de urbanização: ela se chamaria Place de France e dela partiriam ruas com nomes de províncias francesas. Apesar do plano não ter se concretizado, vemos alguns traços, como a rue de Bretagne e a rue du Poitou, por exemplo, além da própria praça.
Os responsáveis pelo projeto foram os arquitetos Jacques Androuet du Cerceau, Claude Chastillon e Louis Métezeau. Em 1605, terreno começou a ser concedido a candidatos a proprietários, que deveriam construir segundo uma ordem pré-estabelecida.
A disposição dos pavilhões deveria ser simétrica e obedecer a uma rigorosa sequência: no primeiro nível (térreo), galerias com grandes arcadas para a circulação de pedestres. No no segundo e terceiro níveis, grandes janelas com ornamentos servindo de separação; e no terceiro andar, mansardas, além de lucarnas no telhado. Até o material era imposto: tijolos, com decoração em calcário e telhados em ardósia. Ao centro da praça, um jardim, com a estátua do rei.
Porém, Henri IV é assassinado antes de ver a praça terminada. Quem continua a construção é seu filho, Louis XIII. O resultado encanta os olhos até hoje: 36 pavilhões, todos simétricos. Somente os pavilhões do rei, ao norte, e da rainha, ao sul, são ligeiramente mais altos.
Medalhão de Henri IV na fachada do Pavilhão do Rei
A então chamada Place Royale é inaugurada em abril de 1612, dia do casamento do rei com Anne d’Autriche. Foi uma festa com seis mil espectadores. Mas algumas coisas foram acrescentadas depois, como, por exemplo, a estátua esquestre de bronze de Louis XIII, encomendada em 1639 pelo cardeal Richelieu. O centro da praça começou a ser transformado em jardim e uma grade cercava o local.
Estátua de Louis XIII. Esta foi colocada em 1829. A primeira, de 1639, foi derretida durante a Revolução FrancesaA estátua é obra do escultor Jean-Pierre Cortot
Em 1783, foram plantadas duas fileiras de tílias. Cem anos depois, substituíram por olmeiros. Até que em 1975, uma praga destruiu essas árvores e eles voltaram com as tílias. Hoje, são 186, alinhadas em três fileiras.
Logo após a inauguração, ainda no século XVII, a praça caiu no gosto da nobreza, banqueiros e gente de dinheiro: festas e feiras eram sempre realizadas ali. Apesar da proibição, era até mesmo palco que duelos, que aconteciam à noite, com espadas em uma mão e tochas na outra.
Durante a Revolução, a estátua do rei foi derretida e a praça foi área de manobra da guarda nacional. Ela passou a se chamar Place des Fédérés (1792). Depois ainda teve os seguintes nomes: Place de l’Indivisibilité, Place du Parc d’Artilherie, Place de la Fabrication des Armes, Place de la République.
Mas, não acabou: em 1800, o governo resolve homenagear o departamento que quitar primeiro seus impostos. O prêmio seria ter o nome em um dos lugares principais de Paris. E adivinhem quem ganhou? O departamento de Vosges.
Em 1829, uma nova estátua em bronze do rei Louis XIII é construída e colocada de novo no centro da praça. Ela é obra dos escultores Charles Dupaty e Jean-Pierre Cortot. Em cada extremidade do jardim retangular, uma fonte, também de Cortot, decoradas com cabeças de leão que são alimentadas pelo canal de l’Ourcq. As grades são reformadas.
Mas a história continua e, durante a Segunda Guerra Mundial, dois abrigos em concreto foram construídos na praça. Em 1954, ela é classificada como monumento nacional. Anos depois, uma nova guerra. Desta vez entre as pessoas que queriam retirar as árvores e devolver o aspecto original da praça e as que queriam transformá-la em estacionamento.
Nenhum grupo ganhou a disputa. Os habitantes protestaram e a praça ficou com a aparência atual, mantendo as árvores e com o Square Louis XIII bem ao centro.
Por ser um lugar prestigiado desde a sua construção, a Place des Vosges atraiu moradores ilustres, como a Marquesa de Sévigné, que nasceu em 1616 no número 1bis, o poeta Théophile Gautier, que viveu no número 8, e o mais famoso de todos: o escritor Victor Hugo, que viveu no número 6 entre 1832 e 1848 e que teve seu apartamento transformado em museu.
Hoje, a Place des Vosges atrai muitos turistas mesmo no inverno. Na primavera e verão – e até no outono quando o tempo permite – muitas pessoas ficam ali fazendo piqueniques, lendo e até dormindo. A praça tem um ar de interior muito gostoso.
Nas arcadas, várias lojas, galerias de arte e restaurantes, além de um dos acessos para o Hôtel de Béthune-Sully , um dos palacetes mais bonitos do Marais.
Uma das galerias da praça
Sempre tem algum músico por ali. Olhem o que encontrei quando fui fazer essas fotos. A emoção foi tanta (adoro essa ópera), que até perdi o comecinho. Mas vejam que maravilha!
Enfim, além de ser um lugar lindo, a Place des Vosges é uma opção de lazer completa. Tem cultura: a Maison Victor Hugo, as galerias de arte. Tem música, pois pode ser que você dê a sorte que eu dei. Tem comida, seja para comer em um dos restaurantes ou fazer um piquenique. Tem descanso, pois entre um passeio e outro, ali é um excelente lugar para uma pausa. E, quase como todas as praças de Paris, tem área para a criançada brincar. Então, vale a pena ao menos uma passadinha.
Place des Vosges – 75004
Horários do Square Louis XIII
De terça a domingo, das 9h às 20h30
Segundas: das 8h às 20h30
Metrô: Bastille – linhas 1, 5 e 8
Chemin Vert – linha 8
Sou de São Paulo, e moro em Paris desde 2010. Sou jornalista, formada pela Cásper Líbero. Aqui na França, me formei em História da Arte e Arqueologia na Université Paris X. Trabalho em todas essas áreas e também faço tradução, mas meu projeto mais importante é o Direto de Paris. Amo viajar, escrever, conhecer pessoas e ouvir histórias. Ah, e também sou louca por livros e animais.
Uau!!!! Você comentando aqui? Que honra, rsrsr! Gio, obrigada. Sempre que vou lá, me lembro de você. O dia em que passamos a tarde ali vai ficar pra sempre na minha memória. Um beijão
Lindo texto Renata, passei por lá e é realmente tudo isso, alunos de colégio passeando pela praça, casais e famílias fazendo piqueniques e olha que fui no inverno…muito linda !!!
Um abraço.
Parabéns , você acabou de tirar um pedacinho de Paris e colocou neste post ,me senti vivendo a historia e mesmo estando longe pude apreciar cada canto desse parque.
Adorei.
Beijos.
[…] Paris, pois na capital as construções da época são mais em tons rosados ou avermelhados, como a Place des Vosges, por exemplo. Com exceção da Île Notre-Dame, o tijolo aparente era a moda do […]
[…] para exaltar um soberano e com construções regulares – já expliquei sobre esse tipo de praça aqui. A de Nancy foi criada em pelo duque Stanislas, em 1752, e simbolizou a ligação entre a Ville […]
[…] anos depois, Henri IV, ao construir a então Place Royale – hoje Place des Vosges – adquire alguns terrenos particulares, entre eles um pedaço do jardim do Hôtel de Baillet. […]
BELA REPORTAGEM POIS ME FEZ LEMBRAR QUANDO FUI NESTE LUGAR CHAMADO Place des Vosges, LUGAR CHARMOSO E AGRADÁVEL, ANDEI MUITO POR ESTES CORREDORES VÍ A MANSÃO DE VITOR HUGO, MAS UM DIA VOLTAREI SE ASSIM DEUS ME PERMITIR.
Oi, Renata, adorei sua reportagem sobre a Place des Voges. Ja fomos a Paris quatro vezes e nos encantamos com a beleza dos monumentos, pracas e museus. Gostaria que voce me desse informacoes sobre como estudar Arqueologia e Historia da Arte. E tambem como ficar em Paris legalmente.Atenciosamente Marilena
Oi Marilena. Para estudar aqui, se você não tem a cidadania de algum país da UE, tem que tirar visto de estudante. Todas as informações sobre o visto e as universidades que oferecem o curso estão no site do Campus France Brasil http://www.bresil.campusfrance.org/. Só que para fazer uma faculdade aqui, tem que ter um bom nível de francês. Mas eu digo mais: bom nível não basta pra esse curso, tem que falar mesmo, ser bem fluente. Porque mesmo nesse caso, é super difícil, imagina para quem entende, mas não escreve e não fala. Porque são seminários, dissertações que você tem que apresentar e é fácil reprovar um dos anos. E reprovando aqui, a gente perde o visto de estudante. Então, te aconselho a fazer o que eu fiz: estudar francês aqui na França um ano, para ficar o nível mais alto, e depois ver a faculdade. Veja aqui um dos últimos textos que escrevi sobre estudar na França. Está na home do site. Um abraço
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Comentários (29)
César Aragão
12 de abril de 2014 at 22:57Excelente texto,perfeito.Conseguiu captar a essência deste lugar !
Renata Inforzato
12 de abril de 2014 at 23:20Uau!!!! Você comentando aqui? Que honra, rsrsr! Gio, obrigada. Sempre que vou lá, me lembro de você. O dia em que passamos a tarde ali vai ficar pra sempre na minha memória. Um beijão
carlos
13 de abril de 2014 at 3:03Lindo texto Renata, passei por lá e é realmente tudo isso, alunos de colégio passeando pela praça, casais e famílias fazendo piqueniques e olha que fui no inverno…muito linda !!!
Um abraço.
Renata Inforzato
13 de abril de 2014 at 13:03Oi Carlos, obrigadão! É um lugar encantador, não? Um abraço
Ivamar Vieira de Moura
13 de abril de 2014 at 12:31Nossa…que delícia de ler….
Parabéns, minha amiga, me fez recordar momentos lindos.
Abraços.
Renata Inforzato
13 de abril de 2014 at 13:01Oi querida, que saudade de você! Sempre me lembro de nossas saídas e espero que venha logo. Um beijão e obrigada por ler e comentar
Ana Catarina Portugal
13 de abril de 2014 at 13:44Muito bom, como sempre! Lembro que quando fomos lá tinha um casal de noivos tirando fotos, rsrsrsrs. Bjs
Renata Inforzato
13 de abril de 2014 at 17:42Oi Ana, foi quando você foi comigo? Não me lembro. Obrigada pelo comentário e elogio. Um beijão
Elaine Braga
13 de abril de 2014 at 18:26Belíssima matéria! Amei!
Renata Inforzato
13 de abril de 2014 at 19:43Oi Elaine, obrigadão! Um beijo
Jackie
13 de abril de 2014 at 22:44Adorei como sempre! Qd tem texto novo seu já sento com calma, um café e me preparo pra me sentir na frança e aprender bastante!
beijos,
Renata Inforzato
14 de abril de 2014 at 16:39Oi Jack, obrigadão, querida. Vindo de você, que escreve super bem, isso é um elogio e tanto. Um beijão
Karina
20 de junho de 2014 at 1:51Parabéns , você acabou de tirar um pedacinho de Paris e colocou neste post ,me senti vivendo a historia e mesmo estando longe pude apreciar cada canto desse parque.
Adorei.
Beijos.
Renata Inforzato
20 de junho de 2014 at 22:19Oi Karina, obrigadão pelo comentário. Um beijão
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11 de março de 2015 at 20:13[…] Paris, pois na capital as construções da época são mais em tons rosados ou avermelhados, como a Place des Vosges, por exemplo. Com exceção da Île Notre-Dame, o tijolo aparente era a moda do […]
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8 de agosto de 2015 at 22:53[…] para exaltar um soberano e com construções regulares – já expliquei sobre esse tipo de praça aqui. A de Nancy foi criada em pelo duque Stanislas, em 1752, e simbolizou a ligação entre a Ville […]
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19 de janeiro de 2016 at 18:39[…] anos depois, Henri IV, ao construir a então Place Royale – hoje Place des Vosges – adquire alguns terrenos particulares, entre eles um pedaço do jardim do Hôtel de Baillet. […]
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19 de janeiro de 2016 at 20:14[…] Agora é a vez de Victor Hugo, e vamos visitar um dos apartamentos em que ele morou, na atual Place des Vosges, no […]
HEVANDRO JR
18 de julho de 2016 at 2:54BELA REPORTAGEM POIS ME FEZ LEMBRAR QUANDO FUI NESTE LUGAR CHAMADO Place des Vosges, LUGAR CHARMOSO E AGRADÁVEL, ANDEI MUITO POR ESTES CORREDORES VÍ A MANSÃO DE VITOR HUGO, MAS UM DIA VOLTAREI SE ASSIM DEUS ME PERMITIR.
Renata Rocha Inforzato
1 de agosto de 2016 at 23:27Oi Hevandro, obrigada pelo comentário. Espero que você volte logo pra cá. Um abração
Marilena Ambrogi Bagatella
5 de novembro de 2016 at 10:21Oi, Renata, adorei sua reportagem sobre a Place des Voges. Ja fomos a Paris quatro vezes e nos encantamos com a beleza dos monumentos, pracas e museus. Gostaria que voce me desse informacoes sobre como estudar Arqueologia e Historia da Arte. E tambem como ficar em Paris legalmente.Atenciosamente Marilena
Renata Rocha Inforzato
5 de novembro de 2016 at 12:39Oi Marilena. Para estudar aqui, se você não tem a cidadania de algum país da UE, tem que tirar visto de estudante. Todas as informações sobre o visto e as universidades que oferecem o curso estão no site do Campus France Brasil http://www.bresil.campusfrance.org/. Só que para fazer uma faculdade aqui, tem que ter um bom nível de francês. Mas eu digo mais: bom nível não basta pra esse curso, tem que falar mesmo, ser bem fluente. Porque mesmo nesse caso, é super difícil, imagina para quem entende, mas não escreve e não fala. Porque são seminários, dissertações que você tem que apresentar e é fácil reprovar um dos anos. E reprovando aqui, a gente perde o visto de estudante. Então, te aconselho a fazer o que eu fiz: estudar francês aqui na França um ano, para ficar o nível mais alto, e depois ver a faculdade. Veja aqui um dos últimos textos que escrevi sobre estudar na França. Está na home do site. Um abraço
Direto de Paris - Jornalismo em Paris
31 de janeiro de 2017 at 8:18[…] texto sobre a Place des Vosges expliquei sobre as Places Royales (Praças Reais). Elas foram criadas para homenagear reis e se […]
Celia Sartorelli Heilborn
12 de fevereiro de 2017 at 9:59Muito bom, como sempre. Adoro ler seus artigos. Abs.
Renata Rocha Inforzato
9 de julho de 2017 at 0:38Oi Celia, obrigada por sempre estar por aqui. Um beijo
Kátia Almeida
12 de fevereiro de 2017 at 19:35Amei o texto. Conhecia a praça mas não a história. Obrigada pelas valiosas informações. Na próxima verei com outros olhos.
Renata Rocha Inforzato
9 de julho de 2017 at 0:37Oi Katia, obrigadão pelo comentário.
Liliane Inglez
14 de fevereiro de 2018 at 11:59Eu amei esta praça quando conheci! Agora, depois de ler teu post e saber mais da história dela, quero voltar!!
Excelente texto! Parabéns!
Ivamar
10 de agosto de 2019 at 10:39ADOREI.
Obrigada por nos presentear com esse relato. Bjs