Paris é uma cidade muito antiga, com mais de dois mil de anos de história. Por isso, ela tem construções de todas as épocas, inclusive lugares da Idade Média, que é o assunto deste texto.
Para começar, gosto sempre de deixar uma coisa clara: quando faço matérias com listas, não significa que só tem para visitar o que está listado. O critério de seleção varia de um artigo para o outro. Paris é cheia de atrações medievais, mas, com exceção da Notre-Dame (que ainda não tem texto aqui no site), vou listar neste post os lugares sobre os quais já escrevi.
Se você gostar deste texto, deixe um comentário para eu saber e assim poder fazer outras matérias do mesmo tipo. Então, vamos à lista de oito lugares da Idade Média para visitar.
1) Notre-Dame
Não dá para falar de Idade Média, sem pensar na catedral de Paris. Ela ocupa o lugar onde ficava uma antiga basílica, provavelmente do século VI, dedicada a Saint Étienne (Santo Estêvão). Quando este edifício ficou pequeno, decidiu-se construir uma catedral dedicada à Notre-Dame (Nossa Senhora). Assim, sua construção começou em 1163. Além do rei Louis VII, o papa Alexandre III estava presente quando a primeira pedra da igreja foi colocada. Esta fase dos trabalhos durou cerca de 27 anos, e a Notre-Dame pôde abrigar a sua primeira cerimônia, que foi a solenidade fúnebre da rainha Isabelle de Hainaut, mulher do rei Philippe Auguste, que morreu em 1190, aos 19 anos, depois de dar à luz. Ela foi enterrada ali mesmo, no coro da catedral.
Porém, foi só em 1250 que a Notre-Dame foi considerada terminada, embora no século seguinte tenham ocorrido trabalhos de manutenção, reparação e embelezamento, como, por exemplo, a criação das rosáceas. Na época do rei Louis XIV, a igreja sofre mais algumas modificações, mas nada que alterasse o aspecto gótico de sua construção e de seu interior. Porém, quando a Revolução Francesa chega, a Notre-Dame não é poupada e sofre muitas destruições. Ela é desativada do culto católico e se torna, em 1793, templo da razão.
Em 1802, a Notre-Dame é devolvida ao culto católico. Mas seu estado é tão deplorável, que um portal neogótico efêmero é construído para a coroação de Napoleão, em 1804. A finalidade da estrutura era esconder a deterioração da igreja e as destruições causadas pelos revolucionários. Nas décadas seguintes, a demolição da catedral chega mesmo a ser cogitada. E ela teria acontecido se não fosse Victor Hugo, que, em 1831, publicou sua obra-prima O Corcunda de Notre-Dame. O romance teve tanto sucesso que salvou a igreja. Sua restauração é decidida em 1844 pelo rei Louis Philippe, e confiada ao arquiteto Eugène Viollet-le-Duc. Esta é a Notre-Dame que chegou até nós.
Mas, infelizmente, a igreja ainda seria afetada por mais um revés: em 16 de abril de 2019, durante os trabalhos de restauração do madeiramento do telhado, um incêndio atingiu a catedral. Então, a Notre-Dame foi fechada e os trabalhos de reparação começaram. A previsão de reabertura da igreja é 8 de dezembro de 2024, festa da Imaculada Conceição. Para ficar por dentro das notícias da Notre-Dame, veja o site oficial
2) Sainte-Chapelle
É uma das atrações mais interessantes de Paris e fica pertinho da Notre-Dame, na Île de la Cité, uma ilha formada pelo rio Sena. No século XIII, a França foi governada por Louis IX, um rei muito católico, que chegou a participar de duas cruzadas (e morreu durante a segunda).
Em 1239, o rei Louis compra do imperador bizantino Balduíno II o que seria um fragmento da coroa de Cristo. Dois anos depois, o rei francês adquire ainda um pedaço da cruz. Sem entrar na discussão sobre a venda de relíquias na Idade Média e sua autenticidade, o fato é que o monarca precisava de um lugar para guardar as relíquias que havia comprado. E é aí que a Sainte-Chapelle entra.
Os trabalhos para a construção do edifício começam em 1241. O estilo é o gótico, com dois níveis. O nível de baixo é destinado ao povo e o nível superior é para a Corte e o rei. Os vitrais são verdadeiras obras de arte, e alguns chegaram até nós. No século XIX, mais precisamente a partir de 1840, a Sainte-Chapelle é restaurada por Eugène Viollet-le-Duc, o mesmo arquiteto que restaurou a Notre-Dame. Se você quiser saber mais sobre o monumento, veja a matéria completa aqui no site sobre a Sainte-Chapelle.
3) Conciergerie
Na Idade Média, o rei e sua Corte não tinham residência fixa. Eles se locomoviam entre seus vários castelos, passando uma temporada em cada um deles. Em Paris, a “casa” do rei era bem aqui, no chamado Palais de la Cité, e a Conciergerie abriga vestígios deste primeiro palácio real. Um exemplo é a sala onde ficava a cozinha do século XIV, que vemos ainda hoje, com suas belas abóbodas. E tem ainda a Sainte-Chapelle, que ficava dentro dos muros do palácio.
No final do século XIV, o rei Charles V se mudou para o Louvre, pois não se sentia seguro aqui no Palais de la Cité. Ainda no século XIV, a Conciergerie se torna prisão, papel que vai desempenhar principalmente durante a Revolução Francesa, quando acolhe vários presos famosos, inclusive Maria Antonieta. Foi aqui que a rainha passou seus últimos dias, antes de ser executada em 16 de outubro de 1793. Uma curiosidade é que o nome de Conciergerie vem de concierge, que era a pessoa que exercia certas funções de Justiça no palácio.
Nos séculos seguintes, o edifício abrigou os tribunais de Paris, sendo chamado de Palais de Justice. Em 2018, foi inaugurado o novo Palais de Justice da cidade, uma construção moderna no bairro de Batignolles (17ème arrondissement), que passou a abrigar vários tribunais e serviços judiciários. Mas alguns tribunais ainda continuam por aqui, no velho palácio da Île de la Cité. Já a parte dele que abriga a Conciergerie há anos pode ser visitada. Na visita, vemos os vestígios medievais do palácio real e a reconstituição da prisão como era nos tempos da Revolução. Para saber mais, veja a matéria bem completa sobre a Conciergerie.
4) Musée Cluny
É o museu nacional da Idade Média. Mas o próprio local tem uma história para contar. Uma parte dele é composta pelos restos de uma terma da época dos romanos. Era a maior das termas que Lutèce possuía (Lutèce era o nome de Paris). No século XIII, o terreno é dado a um servidor do rei e, no século XIV, vendido para a ordem de Cluny, que pretende construir uma residência para seus religiosos. O palacete de estilo gótico é, então, construído no século XV, ao lado das termas, para preservar suas ruínas. Durante a Revolução Francesa, a Igreja perde seus bens e o lugar é transformado em bem nacional.
Em 1832, o palacete, que é conhecido como Hôtel de Cluny, é comprado por Alexandre Du Sommerard, colecionador de objetos e de arte medieval e renascentista. Quando ele morre, em 1843, o Estado compra o terreno, o palacete e suas coleções. No ano seguinte, o museu é inaugurado. No início, ele guarda somente as coleções de Alexandre. Mas, com o tempo, novas aquisições foram enriquecendo o acervo.
Em 1971, com a criação do Museu Nacional do Renascimento, no castelo de Ecouen, o Musée de Cluny passa a abrigar os objetos e arte da Idade Média, já que os do Renascimento foram para o novo museu. Desde então, o Musée de Cluny não deixou de aumentar sua coleção e, em 2022, após uma grande renovação, reabriu com um novo percurso de apresentação das obras. Para saber mais sobre a história e a visita, veja esta matéria sobre o Musée de Cluny.
5) Eglise Saint-Julien-le-Pauvre
É uma das igrejas mais antigas de Paris. O edifício atual foi construído no século XII no local onde havia já havia uma igreja. Sua fachada é mais recente, pois data do século XVII. Durante a Revolução Francesa, a Saint-Julien foi fechada e ficou bastante degradada.
Em 1889, a Saint-Julien-le-Pauvre é cedida à Igreja Greco-Católica Melquita, de rito bizantino. Começa, então, uma grande campanha de trabalhos de restauração do edifício. E algumas adaptações são feitas, como a instalação de um iconóstase, uma estrutura decorada com ícones de santos, que separa a nave, lugar dos fiéis, do santuário.
Com sua arquitetura Gótica Primitiva, a Saint-Julien se destaca pela sua sobriedade exterior. Ao passar em frente dela, nem imaginamos sua importância e riqueza. Hoje, a igreja também é palco de inúmeros concertos de música clássica, que podem ser gratuitos ou não. Para saber mais sobre a história da igreja ou informações práticas para visitá-la, veja o post sobre a Saint-Julien-le-Pauvre aqui no blog.
6) Tour Saint-Jacques
Esta torre é um vestígio de uma igreja do século XI que existia aqui, a Saint-Jacques-de-la-Boucherie. Saint Jacques é o nome francês para São Tiago Maior. E, por isso, a igreja era parte de um dos caminhos franceses de Santiago de Compostela, a rota conhecida como Via Turomensis.
Como acontece com várias igrejas antigas, a Saint-Jacques sofreu alguns trabalhos de reconstrução. Assim, a torre que vemos hoje foi construída no começo do século XVI em estilo Gótico Flamboyant para substituir uma torre mais antiga. Com a chegada da Revolução Francesa, a igreja Saint-Jacques se torna bem nacional e vira pedreira. É o começo da sua destruição.
Só o campanário ficou de pé: é a Tour Saint-Jacques que vemos hoje. Em 1836, ela é comprada pela Cidade de Paris, que pretende restaurá-la. A primeira restauração da torre aconteceu em 1854. Depois disso ela foi restaurada ainda algumas vezes, sendo a última de 2001 até 2009. Em 2013, a Tour Saint-Jacques é aberta ao público, através de visitas guiadas. Do alto dela, se tem uma das vistas mais bonitas de Paris. Para saber mais sobre sua história e como visitá-la, veja a matéria do blog sobre a Tour Saint-Jacques.
7) Tour Jean sans Peur
Outra torre medieval, mas desta vez é uma torre de uma construção civil. A Tour Jean sans Peur fazia parte de um palácio que foi construído em 1270 por Robert d’Artois, sobrinho do rei Louis IX (São Luís). No século seguinte, o lugar é comprado por Philippe le Hardi, duque de Bourgogne, que realiza várias reformas no palácio.
No começo do século XV, o novo duque de Bourgogne, Jean, conhecido como Jean sans Peur (João sem medo), manda construir um novo palácio, ainda maior, com uma torre de 27 metros de altura. Essa torre se torna a torre civil mais alta de Paris, só perdendo para as torres do palácio do rei e da Igreja. Com a morte do último duque de Bourgogne, Charles le Téméraire (Carlos, o Temerário), em 1477, o palácio vai para a Coroa francesa. Abandonado, o terreno é vendido e a construção transformada em lotes. Até que, em 1866, quase tudo é demolido, menos a torre.
Seria o fim do lugar, se a prefeitura de Paris não o comprasse em 1874 e não o restaurasse em 1893. Quase cem anos depois, em 1991, a torre passa por uma nova restauração, que devolve seu aspecto original. Em 1999, ela é aberta ao público e o itinerário de visita procura mostrar como era o lugar na época do duque de Bourgogne. Também há exposições temporárias bem interessantes sobre a Idade Média. Aqui foi só um resumo da história do local. A narrativa completa, que inclui até guerra civil, você pode encontrar no post sobre a Tour Jean sans Peur.
8) Hôtel de Sens
Este belo palacete medieval acolhe uma das bibliotecas mais legais de Paris: a Bibliothèque Forney, dedicada às profissões ligadas à arte. Mas ele foi construído com uma outra finalidade: acolher o arcebispo de Sens. É que na Idade Média, a diocese de Paris dependia da Arquidiocese de Sens (na Bourgogne). Então, cada vez que o arcebispo tinha algo para resolver na capital, ficava neste palacete. O atual foi construído no século XV, no lugar de um outro já existente e que também pertencia ao arcebispo de Sens.
No começo do século XVII, o arcebispo empresta o Hôtel de Sens para a rainha Margot, que teve seu casamento com o rei Henri IV anulado. Ela morou pouco tempo ali, mas foi um período bem agitado entre as paredes da construção medieval. Com a elevação de Paris ao nível de arquidiocese, em 1622, o palacete passa a ser alugado. Com a Revolução Francesa, como já vimos com outras propriedades religiosas, o Hôtel de Sens é desapropriado e vendido. Ele passa por muitas mãos até 1911, quando a prefeitura de Paris compra o edifício.
O Hôtel de Sens passa ainda por várias reformas até 1960. No ano seguinte, fica decidido que o palacete vai abrigar a Bibliothèque Forney. Esta biblioteca especializada foi criada no final do século XIX a partir da doação das coleções de Aimé-Samuel Forney, um industrial que desejava valorizar as atividades artísticas e artesanais. Antes de ser transferida para o Hôtel de Sens, a Bibliothèque Forney ficava no 11ème arrondissement. A consulta a seu acervo é gratuita. Para mais informações sobre a biblioteca e o palacete que a abriga, veja a matéria completa aqui no Direto de Paris sobre o Hôtel de Sens.
Espero que tenha gostado desta lista. Em breve, farei outro texto com outros lugares medievais e também textos com outras listas. Afinal, lugar para visitar é o que não falta na Cidade Luz.
Sou de São Paulo, e moro em Paris desde 2010. Sou jornalista, formada pela Cásper Líbero. Aqui na França, me formei em História da Arte e Arqueologia na Université Paris X. Trabalho em todas essas áreas e também faço tradução, mas meu projeto mais importante é o Direto de Paris. Amo viajar, escrever, conhecer pessoas e ouvir histórias. Ah, e também sou louca por livros e animais.
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