O que não falta em Paris é área verde. Cada bairro tem a sua, entre parques e jardins, ponto de encontro de moradores e visitantes. O que é interessante também é que cada um desses espaços tem uma particularidade, quase sempre ligada ao seu contexto de criação ou ao seu bairro. E é nesse espírito de descoberta que hoje vamos falar do Parc de Bercy. Se você não está curioso para ler, saiba que o lugar abriga uma obra brasileira. Quer saber qual?
O local onde fica hoje a região de Bercy era, há muitos séculos, um pântano, formado pelas águas do Sena e de vários outros riachos. Restos de cerâmica e de objetos pessoais mostram que o lugar é ocupado desde a Idade do Bronze.
Na época em que Paris ainda era Lutèce, nos tempos dos romanos, já se cultivava vinhas na região. Claro que não era dentro dos limites urbanos, ficava um pouco afastado. Mais tarde, no século XII, Louis Le Gros dá a então ilhota de Bercilius para a abadia de Montmartre. No século seguinte, a cidade já possuía um dos maiores vinhedos da Europa, atraindo pessoas de várias outras regiões. Até que no século XVII, Louis XIV abre, onde hoje fica a área de Bercy, o primeiro entreposto de vinho.
Essa atividade vai marcar os séculos seguintes. O comércio de vinho cresce sem parar, sobretudo no século XIX. Como Bercy era fora da cidade, não eram cobradas taxas para o produto. Ao mesmo tempo, o fato de ser ao lado do Sena e da capital tornava sua localização bem estratégica. O vinho chegava de barco pelo rio, de regiões como a Bourgogne, era desembarcado e colocado em vagões que percorriam 9 km de trilhos. Depois, nos entrepostos, a bebida era descarregada, engarrafada e armazenada ali mesmo.
A partir de 1809, o barão Jean-Dominique Louis, Ministro das Finanças do império, compra dos comerciantes de vinho vários terrenos na área. Apesar das diversas inundações do Sena e do incêndio de 1819, no qual 115 mil litros de bebida são perdidos, o comércio atinge seu ápice. Os entrepostos são aumentados e chegam a 42 hectares. Árvores plantadas a cada 12 metros protegiam os barris.
Ainda no século XIX, o bairro era conhecido como Joyeux Bercy (algo como Feliz Bercy). Ali o vinho era mais barato (chamado de Guinguet). Por isso, várias guinguettes (uma espécie de cabaré popular, o nome é derivado da bebida) se instalaram no local, onde a população se reunia para se divertir. Havia jogos, torneios e até fogos de artifício.
A região atraía ainda toda uma gama de comerciantes, como condutores de carruagens, engarrafadores de bebidas, bombeiros. Um tipo de atividade interessante era o vendedor de gemas de ovos. Como a clara era usada na clarificação do vinho, o pessoal vendia o que sobrava, ou seja, a gema.
No começo do século XX, Bercy é o maior mercado de vinho da Europa. Mas a partir de 1930, começa o declínio: as mudanças nas técnicas do armazenamento e a demolição de uma parte do entreposto fazem a atividade cessar pouco a pouco. A queda se acentua em 1960. Em 1970, os entrepostos são desativados e, na década seguinte, demolidos. Ai vinha a questão: o que fazer no local?
Decidiu-se, então, pela construção de casas, de um conjunto esportivo (Le Palais Omnisports de Paris) e de um parque de 13 hectares. Em 1987, é realizado um concurso para o paisagismo do lugar, que é vencido pelos paisagistas Ian Le Caisne e Philippe Raguin. O Parc conta também com o projeto dos arquitetos Bernard Huet, Madeleine Ferrand, Jean-Pierre Feuges e Bernard Leroy.
A ideia é fazer um jardim de memória em um traçado contemporâneo, ou seja, que lembre o passado do lugar. Tanto é que até os trilhos e as ruínas do antigo Petit Château de Bercy continuam ali e os vemos enquanto passeamos pelo local. Cerca de 200 árvores centenárias também foram preservadas, como plátanos, castanheiras, bordos, etc. A inauguração do parque acontece em 1993.
Visitando o parque
O Parc de Bercy é meio que dividido em três partes, duas delas separadas pela rua Kessel. Elas são ligadas por duas passarelas. A ordem de visita não importa, mas vou mostrar aqui a que fiz, partindo do metrô Cour Saint-Émilion.
1) Jardim Romântico – É toda a primeira parte do parque, ou seja, toda a área antes da passarela. Ele é cortado por riachos, onde nadam os patos. No centro de um dos lagos, a escultura Demeure X, de Etienne Martin, de 1968.
Demeure X, de Etienne Martin
No meio de outro lago está a Maison du Lac, onde funciona a Agence Parisienne du Climat , que realiza palestras ligadas a temas ecológicos. Essa construção é a antiga casa dos guardas que moravam ali para vigiar os entrepostos.
Maison du Lac
Nessa parte, há também um mirante não muito alto e um anfiteatro de flores.
AnfiteatroUm pequeno mirante
2) Jardin du Philosophe – faz ainda parte do Jardin Romantique. Nele, podemos ver as arcadas do antigo mercado de Saint-Germain.
Logo em seguida, depois da passarela, vemos a segunda parte do parque, cheia de vestígios do passado.
3) Ruínas – À esquerda, vemos as ruínas do Petit Château de Bercy, do século XVIII. Ele pertenceu à Madame Parabère, amante do regente Philippe d’Orléans, que governava a França enquanto Louis XV era menor de idade.
4) Jardin des Bulbes – Dominado por uma espécie de gruta verde, tem os canteiros em forma de ondas. Ali perto, um reservatório de água cercado por colunas e com patos. É o jardim que representa a primavera. Ele é também chamado de Jardin Yitzhak Rabin.
5) Jardin des Senteurs – Fica à esquerda do Jardin des Bulbes. É uma área formada por buxos e canteiros de flores, que variam de acordo com a estação.
6) Verger (Pomar) – Fica à direita do Jardin des Bulbes. Há laranjeiras, cerejeiras, entre outras árvores frutíferas. No fundo, a Orangerie, onde algumas árvores são guardadas durante o inverno e que acolhe algumas exposições temporárias no resto do ano.
A Orangerie
7) Pavillon du Vent (Pavilhão do Vento) – Há uma torre (Tour des Vents), com instrumentos de medição. Ao lado, um Chair restaurado, onde o vinho era engarrafado e que hoje abriga exposições temporárias. As flores são claras, com predominância do branco. Essa cor, mais o elemento ar (vento) representam o inverno.
Pavillon du Vent
8) Potager (Horta) – Fica logo em seguida ao Pavillon du Vent. Ele abriga diversos legumes e plantas que são cultivados pelos alunos das escolas do bairro. Ali também acontecem ateliês destinados às crianças.
9) La Maison du Jardinage – É o antigo escritório onde as taxas eram pagas. Hoje é um lugar para os amantes da jardinagem. Ela abriga uma biblioteca especializada no assunto, salas para exposições temporárias, além de uma estufa, onde também acontecem ateliês, principalmente aos sábados.
Maison du Jardinage
10) Les Treilles – Fica à esquerda do pomar e em frente à Maison du Jardinage. É uma área cheia de flores de todos os tipos e cores. A estrutura que abriga os canteiros é uma latada, que era usada também para segurar as parreiras. Ou seja, uma referência ao passado do local.
11) O vinhedo – Também em frente à Maison du Jardinage, é a mais óbvia lembrança do passado do parque. Ali estão plantadas 400 vinhas dos tipos chardonnay e sauvignon.
De responsabilidade da prefeitura de Paris, elas dão cerca 200 litros de vinho branco por ano. No centro, uma chaminé, que lembra o elemento fogo. Como a colheita das uvas acontece no outono, essa é a estação que o vinhedo representa.
12) Labyrinthe – Fica à esquerda da Maison du Jardinage. É um labirinto formado por Ifs (teixos, um tipo de árvore ou arbusto) no centro do qual está uma pedra negra. Essa pedra lembra o elemento terra, cujo centro é quente. Por isso o jardim representa o verão.
13) Roseraie – Fica à esquerda do vinhedo. É um roseiral, que floresce mesmo no mês de junho. A predominância ali é de rosas brancas e vermelhas.
Logo depois, fica a terceira parte do parque, com o gramado.
14) Pélouse (gramado) – é pontuado por nove quiosques. É ali que fica também o carrossel para as crianças. Duas curiosidades: no loca, fica a Cinemateca Francesa. O prédio é obra do arquiteto Frank Gehry, e abrigava o antigo Centro Cultural Americano (1994).
A outra curiosidade é uma escultura vermelha ali no gramado. Essa obra, feita de aço, foi realizada por Oscar Niemeyer e representa uma mão aberta oferecendo uma flor. Daí o nome Fleur de Niemeyer. Ela tem 6 metros de altura e 12 metros de amplitude.
Fleur de Niemeyer, 2007
A história dela é bem interessante: o arquiteto brasileiro oferece a obra, ainda em projeto, à cidade de Paris em 2005, ano do Brasil na França. A oferta teria sido acompanhada pelas seguintes palavras: “Fiz um croqui, que surgiu no espaço. Fiz uma mão aberta com uma flor, alguma coisa que transmita a solidariedade, uma coisa vaga, como um sonho”. A escultura foi inaugurada em 30 de janeiro de 2007, ano do centenário de Niemeyer.
15) A Cascata – Ela leva para um terraço, onde estão 21 esculturas de bronze chamadas Les Enfants du Monde, de Rachid Khimoune, de 2001.
Cada uma dessas obras foi realizada em um país diferente – tem o Brasil – a partir de fôrmas feitas com placas de esgoto. Há uma réplica em cada país de origem.
Les Enfants du Monde, Rachid KhimouneAntonio le Brésilien (Antonio, o brasileiro), de Rachid KhimouneFelipe le Mexicain (Felipe, o mexicano), de Rachid Khimoune
A partir do terraço, vemos a passarela Simone de Beauvoir, que liga o Parc de Bercy até a Bibliothèque National de France (BNF)
Passarela Simone de Beauvoir
O Parc de Bercy ainda é um local pouco visitado pelos turistas, em comparação a outros parques de Paris. Mais um motivo para conhecê-lo. Para as crianças também é um bom passeio pois há vários brinquedos espalhados pelo parque para elas brincarem.
Parc de Bercy
O parque possui várias entradas: rue Paul-Belmondo, rue Joseph-Kessel, rue de l’Ambroisie, rue François-Truffaut, quai, boulevard e rue de Bercy, rue de Cognac, rue de Pommard, cour Chamonard
75012 – Paris
Metrô – Cour Saint-Émilion, linha 14
Bercy – linhas 6 e 14
Horários: de 1º de maio a 31 de agosto, segunda a sexta, das 8h00 às 21h30. Sábados e domingos, das 9h00 às 21h30. De 1º a 30 de setembro, segunda a sexta, das 8h00 às 20h30. Sábados e domingos, das 9h00 às 20h30. De 1º a 25 de outubro, segunda a sexta, das 8h00 às 19h30. Sábados e domingos, das 9h00 às 19h30. De 26 de outubro a 28 de fevereiro, segunda a sexta, das 8h00 às 17h45. Sábados e domingos, das 9h00 às 17h45. De 1º de março a 30 de abril, segunda a sexta, das 8h00 às 19h00. Sábados e domingos, das 9h00 às 19h00. A parte do gramado fica aberta sempre.
Sou de São Paulo, e moro em Paris desde 2010. Sou jornalista, formada pela Cásper Líbero. Aqui na França, me formei em História da Arte e Arqueologia na Université Paris X. Trabalho em todas essas áreas e também faço tradução, mas meu projeto mais importante é o Direto de Paris. Amo viajar, escrever, conhecer pessoas e ouvir histórias. Ah, e também sou louca por livros e animais.
Oi Liliane, pois é, e tem ainda outros vinhedos. Em breve escreverei sobre eles. Tomara que você venha logo pra visitar o parque e outras atrações. Um beijão
[…] não é a única vinha da região parisiense, temos, por exemplo, a do Parc de Bercy , entre outras. Mas, é a mais famosa e, com certeza, quem já visitou Montmarte já a viu. Ela […]
Oi Renata! Que bom ver este seu post. Irei a Paris em outubro e ficarei no adagio bercy. Estava um pouco preocupada com o local pois é distante dos principais pontos turísticos. Mas pelo seu post vi que é um lugar bonito que vale a pena. Além de bonita a região é segura? Tenho ouvido tantas notícias sobre roubos e insegurança em Paris. Um abraço e parabéns!
Oi Ana, como toda cidade grande, Paris tem seus furtos. Mas para a gente que é brasileira, é uma cidade bem segura. Claro que não dá para ficar andando com a bolsa aberta. Então, tendo um mínimo de cuidado, não tem perigo. Um abraço
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Comentários (17)
vania hirata
30 de maio de 2015 at 1:46Sempre um prazer ler os seus posts … Vou ter que voltar a Paris …nao conheci esta joia de lugar …grata pelas dicas!.
Renata Inforzato
31 de maio de 2015 at 21:10Oi Vania, Paris vale toda uma vida para conhecer, é muita coisa… Obrigadão pelo seu comentàrio, fiquei bem feliz. Um beijo
Regina Maria
30 de maio de 2015 at 12:39Mais uma vez parabéns pelas informações às quais vc. nos dá acesso. Aprecio muito sua forma de enxergar os locais.
Um abraço
Regina Maria
Renata Inforzato
31 de maio de 2015 at 21:08Oi Regina. Obrigadão pelo seu comentàrio, ganhei meu dia… Um beijo
Pepita Guimaraes
31 de maio de 2015 at 20:07Que lugar maravilhooooooooso!!!!!!!!!!!
Renata Inforzato
31 de maio de 2015 at 21:16Oi Pepita, obrigada pelo comentario. beijos
Gustavo
27 de junho de 2015 at 18:56Vou à Paris 2x por ano e nunca fui! Agora irei! Obrigado pela informação.
Renata Inforzato
29 de junho de 2015 at 19:52Oi Gustavo. Obrigada por comentar.
Liliane Inglez
28 de junho de 2017 at 2:12E eu que pensava que o último vinhedo de Paris fosse o de Montmartre!
Muito bom o post! Gostei demais e espero visitar este parque! Um abraço!!!!
Renata Rocha Inforzato
8 de julho de 2017 at 22:14Oi Liliane, pois é, e tem ainda outros vinhedos. Em breve escreverei sobre eles. Tomara que você venha logo pra visitar o parque e outras atrações. Um beijão
Anita
18 de agosto de 2017 at 23:02Sempre descobrindo lugares novos para nos brindar e aguçar nossa curiosidade e paixão por Paris!
Obrigada!!!
Renata Rocha Inforzato
2 de setembro de 2017 at 21:55Obrigadão, Anita, vc sempre me apoiando. Um beijão
Direto de Paris - Jornalismo em Paris
6 de dezembro de 2017 at 11:54[…] não é a única vinha da região parisiense, temos, por exemplo, a do Parc de Bercy , entre outras. Mas, é a mais famosa e, com certeza, quem já visitou Montmarte já a viu. Ela […]
Ana Paula Gontijo Rezende Leonel
16 de junho de 2018 at 22:53Oi Renata! Que bom ver este seu post. Irei a Paris em outubro e ficarei no adagio bercy. Estava um pouco preocupada com o local pois é distante dos principais pontos turísticos. Mas pelo seu post vi que é um lugar bonito que vale a pena. Além de bonita a região é segura? Tenho ouvido tantas notícias sobre roubos e insegurança em Paris. Um abraço e parabéns!
Renata Rocha Inforzato
9 de agosto de 2018 at 10:54Oi Ana, como toda cidade grande, Paris tem seus furtos. Mas para a gente que é brasileira, é uma cidade bem segura. Claro que não dá para ficar andando com a bolsa aberta. Então, tendo um mínimo de cuidado, não tem perigo. Um abraço
vera carvalho
21 de fevereiro de 2019 at 10:42Bonjour
qual sua opinião sobre Bagnolet?
Renata Rocha Inforzato
15 de março de 2019 at 11:58É uma cidade mais popular, com pessoas de várias origens e mais barato. Já morei ali. Um abraço