Hoje vou mostrar para vocês um lugar em Paris que sempre vemos, mas que só visitamos em ocasiões especiais. É o Clos-Montmatre, uma pequena vinha bem no coração do 18ème arrondissement.
Ela não é a única vinha da região parisiense, temos, por exemplo, a do Parc de Bercy , entre outras. Mas, é a mais famosa e, com certeza, quem já visitou Montmarte já a viu. Ela fica ali, ao lado do Lapin Agile. Quando passamos pelo local, sempre notamos aquela pequena área com algumas parreiras e é impossível não perguntarmos o que é aquilo. Os mais entendidos ficam surpresos: “Mas, uma vinha no meio de Paris? É um terreno muito pequeno! Será que produz alguma quantidade?” A resposta é: sim, produz. E a história e curiosidades do lugar são bem legais.
Durante a Idade Média, havia muitos vinhedos em Paris e região, inclusive na área da Butte Montmartre. No século XII, a maioria das vinhas do bairro já era propriedade das Dames de Montmartre, uma congregação religiosa, que cuidava de uma abadia ali. Um século depois, uma contagem mostrou que já havia uma dezena de vinhedos no lugar, ainda controlado pelas irmãs. Atrás da igreja Saint-Pierre havia, inclusive, um lagar (local onde são espremidas as uvas).
Porém, na metade do século XIX, a concorrência dos vinhos que vinham do Vale do Loire, da Alsace, da Bourgogne e do Bordelais (região de Bordeaux) fez com que o cultivo dos vinhedos na região parisiense praticamente desaparecesse.
Já no começo dos anos 1920, Montmartre era alvo da especulação imobiliária. Um terreno vazio, na esquina da rue des Saules e da Saint-Vincent, iria ser loteado para a construção de habitações populares. A medida atraiu a oposição dos moradores do bairro, liderados pela Association du Vieux Montmartre (uma associação que existe até hoje).
Eles conseguiram anular o loteamento. Então, uma praça com jardim foi construída ali, chamada de Square de la Liberté. O problema é que o lugar era constantemente depredado pelas crianças do bairro e a prefeitura de Paris se recusava em fazer a manutenção. Por isso, em 1933, os moradores decidiram que videiras seriam plantadas ali e que as vindimas seriam coroadas com a Fête des Vendanges. Vendange significa vindima em francês. A iniciativa foi da Commune Libre de Montmartre (outra associação que ainda existe). Francisque Poulbot, artista ilustrador e um dos integrantes da Commune Libre, foi um dos maiores defensores do lugar
Placa em homenagem a Francisque Poulbot
A vinha tinha e ainda tem apenas 1469 metros quadrados. No terreno foram plantadas cerca de 1700 mudas, vindas de várias partes da França. O problema é que a primeira Fête des Vendanges havia sido marcada para o ano seguinte, 1934. Só que para um vinhedo em geral “amadurecer” leva tempo, anos. Assim, a época da festa chegava e nada de uvas maduras.
E os viticultores da vinha de Montmartre, que, naquela época, não entendiam coisa nenhuma sobre o cultivo, ainda resolveram reclamar com as regiões que forneceram as mudas, dizendo que estas eram de má-qualidade. Para se ter uma ideia, até o presidente da República queria vir para a festa. Mas como fazer uma festa de vindimas sem uvas?
Então, as regiões vitícolas francesas, as mesmas que forneceram as mudas, resolveram ajudar, apesar da carta desaforada do pessoal de Montmartre. Elas enviaram as uvas para que a festa pudesse ser realizada e o vinho produzido. E assim aconteceu, com sucesso, a primeira Fête des Vendanges de Montmartre.
Curiosidades da vinha
Hoje, quem cuida do espaço são os jardineiros da prefeitura de Paris. As variedades das uvas cultivadas no terreno são três: gamay, pinot noir e landay. A temperatura de Paris, principalmente em Montmartre que fica em um lugar alto, não ajuda. O solo também é extremamente seco e tem que ser irrigado sempre.
Um dos jardineiros que cuidam da vinha
O vinho produzido ali é chamado de Clos Montmartre. Na parcela de cima da vinha, é produzido o rosé. E no resto, o tinto. As vindimas acontecem por volta de 15 de setembro e são colhidos mais ou menos 1300 quilos de uvas. Hoje a vinha tem 1800 videiras, mas muitas não produzem mais. Todos os anos, algumas são trocadas, para melhorar a qualidade do vinho produzido ali.
Atualmente, toda a produção é orgânica. Além das videiras, outras plantas e flores são cultivadas no local. Um exemplo é a lavanda, que além de enfeitar, também afasta os insetos. Ali também são cultivados algumas frutas e legumes fornecidos pelas regiões especialistas de cada um. Por exemplo, Carpentras, uma cidade na Provence conhecida pelos morangos, cedeu algumas mudas para a vinha de Montmartre. Então, ali, no final de uma fileira de parreira, na primavera, vemos vários morangos suculentos.
Era outono quando tirei essas fotos, então, nada de morangoOliveiras doadas pelo departamento de Vaucluse na Provence
E a produção do vinho não para: de 1500 garrafas produzidas anualmente, esse número já chegou a 2700, um recorde. São garrafas de 500ml, que não são baratas: são vendidas a 50 euros durante as Fêtes de Vendanges e em outras ocasiões. O dinheiro arrecadado é doado para várias obras sociais do bairro. O mais interessante é que a produção de cada safra tem um nome que combina com o espírito de Montmartre: em 2015 foi “La Cuvée de la Liberté” e em 2016, “La Cuvée des Lumières” (esta última vendida na festa de 2017).
E todo o trabalho para a produção da bebida é feita por voluntários, desde as vindimas até o engarrafamento e venda. Aliás, as etapas de elaboração do vinho são realizadas em uma cave localizada nos subterrâneos da Mairie (prefeitura) do 18ème arrondissement.
Ao passar em frente à vinha, temos a visão de toda a sua superfície. Porém, tive a chance de entrar nela, durante as Fêtes de Vendanges, em uma visita guiada e posso dizer que vale muito a pena. Porém, ela só abre em ocasiões especiais, como no período da festa, que acontece sempre em outubro.
Clos Montmartre
14 rue des Saules
75018 Paris
Metrô: Lamarck Caulaincourt, linha 12
Sou de São Paulo, e moro em Paris desde 2010. Sou jornalista, formada pela Cásper Líbero. Aqui na França, me formei em História da Arte e Arqueologia na Université Paris X. Trabalho em todas essas áreas e também faço tradução, mas meu projeto mais importante é o Direto de Paris. Amo viajar, escrever, conhecer pessoas e ouvir histórias. Ah, e também sou louca por livros e animais.
Linda matéria ! Parabéns ! Vou à Paris ainda neste mês de dezembro e vou prestar atenção quando for à montante. Como sou natural da Serra gaúcha, revisão que produz vinho no Brasil, Amo tudo que é a isto relacionado.
oi Renata… eu adorei este texto! Que história divertida e bonita também! Não só seu passado é bonito com as pessoas se mobilizando pelo espaço, enviando as uvas, como a história atual que envolve trabalho voluntário e responsabilidade social. Fora que as fotos mostram um lugar muito bonito! bjs
Oi Analuiza. Sim, é um esforço bem bonito o deles até hoje. Isso é uma das características de Montmartre que adoro, essa solidariedade que eles têm. Bjs e obrigada
Nem dá para imaginar uma quinta dessas mesmo em Paris. Que delícia. Ora aí está um programa maravilhoso para se fazer na cidade e bem diferente do habitual. Maravilhoso.
ahh esse bairro eh super charmoso, uma pena q eu nao passei perto das vinhas..vou novamente em março e dessa vez tiro umas fotos ai! boa solução para aquelas crianças mal comportadas q ferviam na praça, agora n tem como fazer zona nas vinhas aheuahe
Nossa, que legal! Confesso que não sou muito fã do vinho, nem de nenhuma bebida alcoólica, mas a história do lugar me deixou intrigada. Mas eu com certeza iria amar as lavandas e os morangos, deixaria a paisagem linda! Que pena que quando você foi não tinham mais morangos…
Ai, por que não vi esse post antes? Estive em Montmartre mês passado, mas não sabia da existência da vinha! Muito legal, deu vontade de visitar! Vou ter que voltar a Paris! Coisa chata! 😉
Que delícia de passeio e ainda envolve vinho, fica mais delicioso ainda! Adorei a sua matéria, quero muito conhecer quando estiver por aí, me deu muita vontade! Parabéns, está excelent! Abraços!
Amo passear pelo Clos-Montmatre. Um dos lugares mais charmosos de Montmartre.Não sabia que a cave fica nos subterrâneos da Mairie do 18ème arrondissement (se eu já sabia, esqueci completamente). Bisous =)
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Comentários (22)
Suzete Frigeri da Costa
10 de dezembro de 2017 at 15:00Linda matéria ! Parabéns ! Vou à Paris ainda neste mês de dezembro e vou prestar atenção quando for à montante. Como sou natural da Serra gaúcha, revisão que produz vinho no Brasil, Amo tudo que é a isto relacionado.
Renata Rocha Inforzato
14 de setembro de 2018 at 11:27Oi Suzete, espero que tenha aproveitado a viagem. Um abraço e obrigada
Natalie
11 de dezembro de 2017 at 14:55Oi, Renata. Tudo bem? 🙂
Seu post foi selecionado para o #linkódromo, do Viaje na Viagem.
Dá uma olhada em http://www.viajenaviagem.com
Até mais,
Bóia – Natalie
Renata Rocha Inforzato
14 de setembro de 2018 at 11:28Oi Natalie, obrigada. Um abraço
rui batista
16 de dezembro de 2017 at 20:56Post super-interessante: ADORO vinho, gosto da vinha e amo Paris 🙂 E não sabia de nada disto. Muitos parabéns pelo trabalho!
Renata Rocha Inforzato
14 de setembro de 2018 at 11:29Oi Rui, obrigadão pelo comentário. Eu também adoro tudo isso… Um abraço
Analuiza
16 de dezembro de 2017 at 22:33oi Renata… eu adorei este texto! Que história divertida e bonita também! Não só seu passado é bonito com as pessoas se mobilizando pelo espaço, enviando as uvas, como a história atual que envolve trabalho voluntário e responsabilidade social. Fora que as fotos mostram um lugar muito bonito! bjs
Renata Rocha Inforzato
14 de setembro de 2018 at 11:27Oi Analuiza. Sim, é um esforço bem bonito o deles até hoje. Isso é uma das características de Montmartre que adoro, essa solidariedade que eles têm. Bjs e obrigada
Carla Mota
17 de dezembro de 2017 at 9:38Nem dá para imaginar uma quinta dessas mesmo em Paris. Que delícia. Ora aí está um programa maravilhoso para se fazer na cidade e bem diferente do habitual. Maravilhoso.
Renata Rocha Inforzato
14 de setembro de 2018 at 11:30Oi Carla, sim, passear por Montmatre é sempre muito bom. Bjs
angela sant anna
17 de dezembro de 2017 at 18:54ahh esse bairro eh super charmoso, uma pena q eu nao passei perto das vinhas..vou novamente em março e dessa vez tiro umas fotos ai! boa solução para aquelas crianças mal comportadas q ferviam na praça, agora n tem como fazer zona nas vinhas aheuahe
Renata Rocha Inforzato
14 de setembro de 2018 at 11:31Oi Angela, espero que tenha sido boa sua viagem! Sim, acabou a farra nas vinhas, rsrsrs bjs
Mapa na Mão
17 de dezembro de 2017 at 23:57Nossa, que legal! Confesso que não sou muito fã do vinho, nem de nenhuma bebida alcoólica, mas a história do lugar me deixou intrigada. Mas eu com certeza iria amar as lavandas e os morangos, deixaria a paisagem linda! Que pena que quando você foi não tinham mais morangos…
Renata Rocha Inforzato
14 de setembro de 2018 at 11:25Na verdade, ali só tem um pouco mesmo de morangos, para mostrar a amizade entre as regiões. É um lugar bem interessante mesmo. Bjs
Tina Wells
19 de dezembro de 2017 at 17:52Ai, por que não vi esse post antes? Estive em Montmartre mês passado, mas não sabia da existência da vinha! Muito legal, deu vontade de visitar! Vou ter que voltar a Paris! Coisa chata! 😉
Renata Rocha Inforzato
14 de setembro de 2018 at 11:32Oi Tinha, volte lodo pra fazer essa coisa chata que é visitar Paris, rsrsr, bjs
Robba Caravieri
20 de dezembro de 2017 at 2:10Que delícia de passeio e ainda envolve vinho, fica mais delicioso ainda! Adorei a sua matéria, quero muito conhecer quando estiver por aí, me deu muita vontade! Parabéns, está excelent! Abraços!
Renata Rocha Inforzato
14 de setembro de 2018 at 11:33Oi Robba, obrigada! Espero que vá a Paris em breve. Um abraço
Martinha Andersen
22 de dezembro de 2017 at 20:26Amo passear pelo Clos-Montmatre. Um dos lugares mais charmosos de Montmartre.Não sabia que a cave fica nos subterrâneos da Mairie do 18ème arrondissement (se eu já sabia, esqueci completamente). Bisous =)
Renata Rocha Inforzato
14 de setembro de 2018 at 11:34Oi Martinha, também acho um dos lugares mais charmosos do bairro. Beijos, e obrigada
Edson Amorina Jr
2 de janeiro de 2018 at 19:44Que interessante passear num bairro tão bonito, em Paris, e ainda encontrar uma vinha dessa! Adorei a dica de passeio.
Renata Rocha Inforzato
14 de setembro de 2018 at 11:34Oi Edson, obrigadão pelo comentário. Sim, é um lugar diferente mesmo. Um abraço