Os arredores de Paris têm tanta coisa para ser visitada. Há uns três meses, pude conhecer o Fort de Sucy, um forte militar que foi construído há mais de cem anos. A visita guiada é gratuita e bem legal. Vou contar como foi.
Paris já tinha sido cercada por fortalezas em 1840 e estava bem protegida. Porém, em 1870, os prússios cercam a cidade e ocupam várias cidades ao redor, como, por exemplo, Sucy-en-Brie, a 17 quilômetros da capital. Muitas batalhas ocorrem na região, como a Bataille de Champigny, em novembro de 1870. Os franceses saem derrotados nessa guerra.
Com a derrota, várias medidas foram tomadas para proteger Paris e região de futuros ataques. Uma delas foi implantada pelo general Séré de Rivières e ficou conhecida por Système Séré de Rivières. Ele consistia na construção de fortificações para defender a capital e arredores. Os locais escolhidos eram aqueles que haviam sido ocupados pelos prússios.
Ao todo, são dezoito fortes, cinco redutos (obra fortificada no interior de outra, como último recurso de defesa) e 34 baterias que foram construídos entre 1874 e 1881. Essas construções fazem parte do que ficou conhecida como Segunda Ceinture de Paris, ou seja, mais um perímetro de edifícios defensivos, como os de 1840.
O guia nos mostrando as fortificações em torno de Paris
O Fort de Sucy faz parte desta leva, pois foi construído entre 1879 e 1881, em uma superfície de 3,5 hectares. Ele teria sido finalizado em apenas um ano e meio. Uma máquina a vapor teria participado dos trabalhos. Alguns anos depois, durante a Primeira Guerra Mundial, apesar de não estar diretamente nas zonas de conflito, o forte teve um importante papel logístico para as tropas aliadas.
Já durante a Segunda Guerra foi ocupado pelos alemães, que fizeram do lugar um depósito de munições. Com a iminência da derrota, em 1944, resolveram explodir o estoque, para evitar que os inimigos pegassem os explosivos. A caserna que os abrigava foi destruída, modificando a estrutura do forte.
Ao final do conflito, o Fort de Sucy é usado pelo exército francês para a estocagem de material. Com o passar dos anos, o lugar deixou de ser utilizado e foi coberto pela vegetação. O município de Sucy-en-Brie passa a ser o proprietário do conjunto e ele começa a ser restaurado. Em 15 de outubro de 1996, é criada a associação À La Découverte du Fort de Sucy, composta por voluntários, que tem como missão restaurar e conservar o monumento. São eles que promovem as visitas guiadas, gratuitas, todo primeiro domingo do mês.
As curiosidades do Fort de Sucy
A entrada do Forte é protegida por duas grades de ferro. Logo em seguida, vem uma ponte, com o primeiro fosso, onde as paredes ao lado da passagem possuem aberturas estreitas, as seteiras, de onde os soldados atiravam nos possíveis invasores.
O Fort de Sucy possui também caponnières (ou capoeiras), que são construções usadas para a defesa do fosso de uma fortificação. A porta principal do forte é em pedra talhada, umas das últimas construções militares com este material conservadas até hoje. Vemos dois pequenos fossos, aos pés de cada parede do caminho que leva à entrada.
O próximo obstáculo é a ponte levadiça. Ela foi uma inovação para a época. Feita em metal – era a época da Torre Eiffel -, bastava apenas um homem para manipulá-la, o que poupava tempo e esforços.
Logo que passamos a porta, à direita, chama a atenção um forno para assar pão. Ele foi construído em 1914, durante a Primeira Guerra Mundial. Nessa época, já havia a estrada de ferro que saía de Paris e passava em Sucy-en-Brie. Antes da construção do forno, buscavam o pão em Vincennes e traziam até aqui. Mas com o forno, o pão já era feito no forte mesmo e levado para a floresta que ficava perto, onde os soldados lutavam. Assim, a logística era mais simples. Ao lado do forno, ficam os antigos estábulos do lugar.
Havia também um telégrafo no Fort, para a comunicação com Paris. Ele ficava em uma construção isolada, para dificultar invasões. Também havia um cômodo que servia de cofre para guardar o dinheiro para pagamento dos militares e despesas cotidianas.
Depois, chega-se em um espaço aberto, que é cercado por várias construções. Vemos os restos da caserna destruída pelos alemães em 1944. Nas construções em volta ficavam a cozinha, os dormitórios e os banheiros dos militares.
O guia, vestido com uniforme de oficial da Primeira Guerra Mundial, explica que nessa época os soldados comiam essencialmente carne seca e feijão e levavam vinho no cantil, para aquecer e relaxar. Outra curiosidade é que somente os banheiros dos oficiais tinha porta. Os do soldados não. Segundo o guia, era para que pudessem ser vigiados e, assim, evitar suicídios. Ele contou também que cada dormitório comportava 65 soldados. Acompanhado por um outro participante da associação vestido de soldado, o guia nos dava detalhes das suas roupas, armas e material.
Um soldado e um oficial da Primeira Guerra Mundial
Aí entramos em um pequeno corredor. Do lado direito dele, a sala onde a pólvora para as armas era trabalhada. A parede externa dessa sala tem lucarnas, com vidros espessos, que abrigam em seu interior lamparinas à óleo. A iluminação tinha que ser externa, porque dentro da sala não podia haver luz, por causa da pólvora. O guia também nos contou que somente o bronze ficava ali dentro, pois não solta faísca, e os militares deveriam entrar sem sapatos.
À direita, fechado por grades, o lugar onde ficava a lamparina
Em seguida, chegamos novamente em uma área ao ar livre. Vemos várias passagens e um abrigo entre plataformas de tiros, em cima das quais ficavam os canhões (o lugar tem uma boa vista dos arredores). Ali no abrigo guardavam a munição e o material para manutenção dos canhões. Ele tinha uma passagem estreita, terminando por degraus, por onde levavam as munições até o alto da plataforma de tiro.
Um dos lugares de onde vigiavam e atiravam
Depois entramos em uma caponnière (já expliquei o que é ali em cima). Na entrada, um belo automóvel, um Jeep Hotchkiss. Este tipo de veículo foi usado pelo exército francês de 1954 até os anos 1990. Já dentro da construção, temos uma visão do fosso e do lado interno das pequenas aberturas de tiro. Dá para imaginar como os soldados colocavam ali suas armas e atiravam antes de serem percebidos pelo inimigo. Percorrendo o labirinto de corredores, nos deparamos com um antigo beliche e temos uma ideia do conforto dos soldados.
A vista do fosso
Terminamos a visita nas salas do museu do Forte (que ficam perto da entrada, perto do forno). Elas mostram a história do Fort e da Associação, e reúnem objetos pessoais dos soldados, do cotidiano da guerra, uma maquete e outros documentos. Tem até bombas e balas.
Maquete do Fort de Sucy,, que mostra como era o lugar antes da destruição da caserna
E, como um gostinho especial, fomos levados a um lugar que não fazia parte da visita: a Galerie de Fusillage, que fica ao pé da ponte e permite atravessar o fosso. Era outra peça chave para pegar o inimigo desprevenido logo na entrada.
As aberturas para tiro
O Fort de Sucy abriga ainda uma Confraria de Vinhos, com cave e tudo. Criada em 1987, a Confrérie des Coteaux de Sucy-en-Brie tenta reviver o patrimônio vitícola da cidade, que foi uma grande produtora de vinho. Mas essa visita vai ser tema para outro texto.
Fort de Sucy
Allée du Général Seré-de-Rivière
94370 Sucy-en-Brie
Visitas guiadas gratuitas, em francês, todo primeiro domingo do mês, às 15 horas.
Para reservar, acesse o site do Explore Paris
Para visitas em inglês, contatar a associação, no email: contact@defenseparis.fr
Como ir ao Fort de Sucy: de Paris, pegar o RER A, direção Boissy-Saint-Léger e descer na estação Sucy-Bonneuil. Depois, na estação, pegar o ônibus número 5 e descer na parada Fort. Aí é só andar um pouco mais de 5 minutos.
Para saber mais sobre a Associação À La Découverte du Fort de Sucy e as visites, visite o site aqui
Sou de São Paulo, e moro em Paris desde 2010. Sou jornalista, formada pela Cásper Líbero. Aqui na França, me formei em História da Arte e Arqueologia na Université Paris X. Trabalho em todas essas áreas e também faço tradução, mas meu projeto mais importante é o Direto de Paris. Amo viajar, escrever, conhecer pessoas e ouvir histórias. Ah, e também sou louca por livros e animais.
Oi Renata…gostei muito desse passeio, e a história do Forte na cidade que a Sylvia mora. Como ficarei com ela, nesta próxima estada, visitarei o Forte. Aprendi bastante com seu sempre ótimo texto! Bisous
que passeio interessante e ademais muito histórico. Conhecer um local e sua história é um dos passeios que mais gosto de fazer. Fiquei bem interessada, abraços
Supreendente! Adorei saber que tinham um forno para assar pães no forte – e que hoje ele abriga até uma cave à vin… muito típico francês né? rs rs
Essas visitas do primeiro domingo do mês (e entradas em museus) são fantásticas, você faz muito bem de aproveitá-las. Morro de saudades do meu tempo em Paris. Adorei o post e voltei no tempo (literalmente)!
Ótima opção para quem já conhece Paris. Adoro esses passeios que nos levam a viagens históricas, são bem menos badalados e tão especiais. Adorei a dica.
Nossa que impressionante, amo posts assim que além de contarem a experiencia contam também a história do lugar.
Adorei as fotos e fiquei curiosa para conhecer o lugar, enquanto lia tentava imaginar como seria na época.
O Direto de Paris usa cookies para funcionar melhor. Mais informações
The cookie settings on this website are set to "allow cookies" to give you the best browsing experience possible. If you continue to use this website without changing your cookie settings or you click "Accept" below then you are consenting to this.
Comentários (11)
Raiane
9 de julho de 2018 at 12:15adorei o post imagens lindas
Renata Rocha Inforzato
9 de agosto de 2018 at 10:51Oi Raiane, obrigadão!
Lilian Veiga
9 de julho de 2018 at 14:38Oi Renata…gostei muito desse passeio, e a história do Forte na cidade que a Sylvia mora. Como ficarei com ela, nesta próxima estada, visitarei o Forte. Aprendi bastante com seu sempre ótimo texto! Bisous
Renata Rocha Inforzato
9 de agosto de 2018 at 10:51Oi Lilian, é um lugar diferente, mas achei bem legal. Se você gosta de história, recomendo. Beijão
Flávia Donohoe
9 de agosto de 2018 at 13:32que passeio interessante e ademais muito histórico. Conhecer um local e sua história é um dos passeios que mais gosto de fazer. Fiquei bem interessada, abraços
Patti Neves
9 de agosto de 2018 at 15:35Supreendente! Adorei saber que tinham um forno para assar pães no forte – e que hoje ele abriga até uma cave à vin… muito típico francês né? rs rs
Essas visitas do primeiro domingo do mês (e entradas em museus) são fantásticas, você faz muito bem de aproveitá-las. Morro de saudades do meu tempo em Paris. Adorei o post e voltei no tempo (literalmente)!
Renata Rocha Inforzato
14 de setembro de 2018 at 10:50Oi Patti. Esses franceses sabem aproveitar os lugares, dando um novo uso pra eles. Espero que você venha em breve para Paris. Bjs
Cynara Vianna
10 de agosto de 2018 at 13:11Ótima opção para quem já conhece Paris. Adoro esses passeios que nos levam a viagens históricas, são bem menos badalados e tão especiais. Adorei a dica.
ADRIANA MAGALHAES ALVES DE MELO
10 de agosto de 2018 at 13:53A-DO-RO os seus posts recheados de história. Amei esse lugar. A visita é sensacional.. E ainda tem vinho no final? Tô dentro kkkk
Cami Santos
13 de agosto de 2018 at 12:09Nossa que impressionante, amo posts assim que além de contarem a experiencia contam também a história do lugar.
Adorei as fotos e fiquei curiosa para conhecer o lugar, enquanto lia tentava imaginar como seria na época.
Beijos
Camila Santos
Renata Rocha Inforzato
14 de setembro de 2018 at 10:49Oi Camila, eu acho que quando a gente sabe a história do lugar, nossa visita fica melhor. Bjs