Sabe quando a gente vê alguma figura antiga de Paris e as pontes são cheias de casas? Pois é, a Pont Notre-Dame era assim. Ligando a margem direita do Sena à Île de la Cité, é uma das pontes mais bonitas da Cidade Luz.
Na época dos romanos, havia só duas pontes que ligavam as margens do Sena à Île de la Cité: a Petit Pont e a Grand Pont. Elas são, inclusive, mencionadas por Cesar em Comentários sobre a Guerra Gálica. A primeira, a Petit, ligava a margem esquerda do rio à Île. Já a segunda era a ligação entre a Île de la Cité e a margem direita do Sena. Assim, as duas pontes e a ilha formavam um só traçado.
De madeira, as duas pontes serão incendiadas em 887 pelos vikings, que atacavam Paris. É decidida a reconstrução delas. Porém, em 1111, um ataque dos normandos destrói a ponte. Dois anos depois, o que resta dela é levada em um inundação. Acontece mais uma reconstrução. No entanto, desta vez, durante os trabalhos, a Grand Pont é reconstruída mais a jusante, no lugar onde hoje está a Pont au Change.
No lugar da antiga Grand Pont é construída uma passarela de madeira, chamada Planche Mibray (Mibray era o nome da rua que ela continuava, que hoje não existe mais). Nela, havia alguns moinhos.
Porém, em 1406, a Planche Mibray é levada pela água. Então, o rei Charles VI ordena a construção de uma ponte ali, ainda em madeira, que ele mesmo coloca a primeira estaca em 1421. Ela é batizada de Notre-Dame. A diferença agora é que nesta nova ponte são construídas 60 casas. Mas, em 25 de outubro de 1499, elas caem no rio junto com a ponte.
Houve mortes nesta queda. Então, em janeiro de 1500, o Prévôt des Marchands (uma espécie de prefeito na época) e seus Échevins (auxiliares) foram responsabilizados pela catástrofe, condenados a pagar multa e a serem presos na prisão do Châtelet.
Finalmente, em 1512, é construída uma nova ponte sob as ordens do rei Louis XII. Desta vez em pedra, com cinco arcos, e com influência do Renascimento. O arquiteto escolhido é o frei italiano Giocondo Giovanni. Além de ser extremamente talentoso, acreditava-se que contratando um religioso, o que era comum na época, a ponte teria mais a proteção divina. Ele também trabalha na Petit Pont.
O rei ainda queria que vários dos trabalhadores que haviam participado da construção ou reforma dos castelos do Vale do Loire também tomassem parte das obras da ponte. Em cima da nova construção, desta vez foram realizadas 34 casas, com vários andares. Já na inauguração a ponte é um sucesso: dizem que havia uma multidão que, de felicidade pelo fim da obra, gritou Noël (Natal) ao som de trompetes.
Assim, a Pont Notre-Dame se torna a mais bela e harmoniosa de Paris. Pessoas de todos os lugares vinham admirá-la, principalmente por causa das casas. Elas eram todas simétricas e decoradas com medalhões com os rostos dos reis e rainhas da França. Tinham tons de vermelho, eram construídas com tijolo e pedra. No lado do Sena, possuíam um cômodo que avançava para o rio e era deste cômodo que os moradores pegavam água e despejavam suas imundícies.
A casas abrigavam comércios de prestígio, como galerias de arte e joalherias. Essas lojas se abriam para a rua (da ponte) por uma arcada. Nos andares superiores ficava a residência do comerciante. Para se ter uma ideia de como eram as boutiques, o interior de uma dessas lojas foi imortalizado por Antoine Watteau no quadro L’Enseigne de Gersaint, de 1721. Esse foi uma das últimas obras do artista e dizem que ele a pintou em apenas quatro dias. Outro quadro, La Joute des Mariniers, de Nicolas Raguenet, de 1756, mostra como era a ponte.
Antoine Watteau -L’Enseigne de Gersaint, 1721Nicolas Raguenet – La Joute des Mariniers, 1756
Outra inovação é que as casas eram numeradas e com algarismos romanos: as de um lado recebiam os números pares e as do outro os ímpares. É a primeira numeração imobiliária conhecida.
Em 1673, Louis XIV decide embelezar Paris e levar água a seus habitantes. Ele ordena a construção de duas pompas de água, que obstruem dois dos arcos da ponte onde antes ficavam dois moinhos. São as Pompes Notre-Dame. Elas eram movidas pela correnteza do Sena e alimentavam várias fontes de Paris.
Já no final do século XVIII, as casas não estão em bom estado e são consideradas vetustas. Então, fica decidido que seriam demolidas, o que começa em 1786. O quadro La Démolition des Maisons du Pont Notre-Dame en 1786, de Hubert Robert, retrata o evento.
Hubert Robert – a Démolition des Maisons du Pont Notre-Dame en 1786, 1786
Com casas ou sem casas, a Pont Notre-Dame tem seu prestígio aumentado por ser a via de acesso dos reis e imperadores para fazer suas entradas triunfais na cidade. É o caso de François I, Henri II, Henri III, Charles IX, Henri IV, Louis XIII, Louis XIV e Napoleão III. Até mesmo Charles Quint, imperador do Sacro Império Romano-Germânico, rival do rei francês François I, visitou Paris passando pela ponte.
Mas nem sempre o desfile era tão triunfal: Madame de Sévigné, aristocrata do século XVI, conta a passagem da charrete que leva a marquesa de Brinvilliers da prisão, na , até a Place de Grève (onde fica o’Hôtel de Ville hoje) onde seria executada em 1676 por ter envenenado o pai e os irmãos. Tem mais sobre ela aqui neste texto sobre a Galerie Véro-Dodat.
Em 1853, como consequência dos trabalhos de urbanismo realizados em Paris pelo prefeito Georges Eugène Haussmann, a Pont Notre-Dame é reconstruída parcialmente sob a direção de Paul-Martin Gallocher de Lagalisserie e Ernest Gariel, que também trabalharam na Petit Pont. As fundações utilizadas são as mesmas da construção do século XVI. É nessa época, também, que as Pompes Notre-Dame são destruídas, pois a reforma urbana do prefeito também cuidou da distribuição de água.
O problema é que, a partir de então, a Pont Notre-Dame se tornou perigosa para a navegação: o arco central era estreito e os barcos no Sena cada vez maiores. Isso provocava vários inconvenientes: só de 1891 a 1910, foram registrados cerca de 35 acidentes. Por isso, o arco ficou conhecido como Arco do Diabo.
Então, para melhorar a segurança da ponte e dos barcos, em 1911, é decidido fazer mais uma alteração na Pont Notre-Dame. O arquiteto escolhido é Binet, que começa os trabalhos, mas morre no mesmo ano, e o projeto é do engenheiro Jean Résal, que já havia trabalhado nas pontes Mirabeau e Alexandre III.
Os três arcos de pedra centrais são substituídos por um grande arco metálico. A decisão causa polêmica entre os parisienses mais tradicionalistas, que queriam uma nova ponte em pedra. Mas, os custos para uma nova reconstrução eram altos e o metal já era parte integrante das novas realizações.
Assim, a ponte fica com a particularidade de ter dois arcos de margem em pedra, que emolduram o arco metálico. Com 105 metros de comprimento por 20 metros de largura, ela liga a Rue Saint-Martin, na margem direita do Sena, à Rue de la Cité, na Île de la Cité. A vista de cima da Pont Notre-Dame é bem bonita. Vemos vários monumentos ali perto, como a Conciergerie, o Théâtre du Châtelet e as outras pontes.
Vista a partir da Pont Notre-Dame
A decoração dos arcos das margens é da construção de 1853. Os pilares em pedra têm, cada um, três cabeças de carneiro. Já os arcos, também, em pedra, tem dois mascarões representando Baco, um em cada face. De um lado a expressão do deus é hilária e ele é decorado por frutas e flores. Do outro, é severa e a decoração é de cachos de uvas e de pinhas. Os arcos são trabalhados em bossagem.
O grande arco metálico é simples e com motivos vegetais. Para ligar este arco à plataforma da ponte, foram colocadas belas colunas inspiradas na Antiguidade. Como parapeito, na parte dos arcos em pedra permanecem as balaústres. Já na área do arco metálico, uma linda grade de ferro trabalhado, com decoração em motivos vegetais.
Pont Notre-Dame
75004 Paris
Metrô: Cité – linha 4
Châtelet – linhas 1, 4, 7, 11 e 14
Hôtel de Ville – linhas 1 e 11.
Sou de São Paulo, e moro em Paris desde 2010. Sou jornalista, formada pela Cásper Líbero. Aqui na França, me formei em História da Arte e Arqueologia na Université Paris X. Trabalho em todas essas áreas e também faço tradução, mas meu projeto mais importante é o Direto de Paris. Amo viajar, escrever, conhecer pessoas e ouvir histórias. Ah, e também sou louca por livros e animais.
Gosto muito desses seus posts que nos explicam mais a fundo a história de monumentos ou locais importantes de Paris. Legal saber mais sobre a Pont Notre-Dame!
Realmente essa ponte é um marco em paris, durante o passeio de barco pelo Sena eles contam um pouquinho da história, mas nem chega aos pés dos detalhes que você relatou aqui.
Adorei!
Incrível a história da Pont Notre-Dame em Paris! Caramba… 60 casas caíram na água, de uma vez? As vezes a história parece mesmo ficção! Difícil de acreditar! Adorei o post, interessantísimo.
Adoreeei ter encontrado seu post sobre a Pont Notre Dame! Realmente ela tem todo o charme de Paris. Vou conhecê-la sabendo dessa história incrível que a envolve, muito obrigada por ter compartilhado.
[…] A Petit Pont fazia par com uma ponte mais ao norte, que era então chamada Grand Pont (hoje Pont Notre-Dame – Uma das pontes charmosas de Paris). Assim, a ponte menor (Petit) atravessa o braço sul do Sena, enquanto a maior (Grand) passa pelo […]
O Direto de Paris usa cookies para funcionar melhor. Mais informações
The cookie settings on this website are set to "allow cookies" to give you the best browsing experience possible. If you continue to use this website without changing your cookie settings or you click "Accept" below then you are consenting to this.
Comentários (6)
Gabriela Torrezani
17 de setembro de 2019 at 15:27Gosto muito desses seus posts que nos explicam mais a fundo a história de monumentos ou locais importantes de Paris. Legal saber mais sobre a Pont Notre-Dame!
Mirella Matthiesen
18 de setembro de 2019 at 4:12Realmente essa ponte é um marco em paris, durante o passeio de barco pelo Sena eles contam um pouquinho da história, mas nem chega aos pés dos detalhes que você relatou aqui.
Adorei!
Bruna
18 de setembro de 2019 at 22:39Quanta história para uma única ponte! Não conhecia e numca mais vou flanar por ela sem reparar em todos esses detalhes!
Patti
19 de setembro de 2019 at 12:23Incrível a história da Pont Notre-Dame em Paris! Caramba… 60 casas caíram na água, de uma vez? As vezes a história parece mesmo ficção! Difícil de acreditar! Adorei o post, interessantísimo.
Marcela
19 de setembro de 2019 at 12:41Adoreeei ter encontrado seu post sobre a Pont Notre Dame! Realmente ela tem todo o charme de Paris. Vou conhecê-la sabendo dessa história incrível que a envolve, muito obrigada por ter compartilhado.
Direto de Paris - Jornalismo em Paris
7 de outubro de 2021 at 2:31[…] A Petit Pont fazia par com uma ponte mais ao norte, que era então chamada Grand Pont (hoje Pont Notre-Dame – Uma das pontes charmosas de Paris). Assim, a ponte menor (Petit) atravessa o braço sul do Sena, enquanto a maior (Grand) passa pelo […]