Atrações

Petit Pont – a menor ponte de Paris

30 de janeiro de 2019

Last Updated on 7 de outubro de 2021 by Renata Rocha Inforzato

Quando passeamos à beira do Sena, não podemos deixar de notar a beleza das suas pontes. Verdadeiras obras de arte, elas carregam também muita história. Como, por exemplo, a Petit Pont, que é o tema deste texto.

Petit Pont

Uma observação: em francês, a palavra pont (ponte) é masculina. Mas, como em português ponte é um substantivo feminino, então, vou usar aqui no texto a concordância do feminino, mesmo quando utilizar o nome Petit Pont.

Petit Pont

A Petit Pont é a menor ponte de Paris, com somente 40 metros. Ela liga a Île de la Cité à margem esquerda do Sena. A construção atual data de 1853, época do Segundo Império.

Petit Pont

Mas, desde os tempos galo-romanos havia uma ponte de madeira nessa mesma localização. Ela é, inclusive, mencionada por Júlio César em Comentários sobre a Guerra Gálica. E isso faz sentido, pois é ali, onde está a Petit Pont, que a margem esquerda do Sena é mais perto da Île de la Cité. Além disso, a própria ponte fazia parte do prolongamento do Cardo Maximus, o eixo principal da cidade. Os romanos viviam na margem esquerda do rio: as Arènes de Lutèce e as Thermes de Cluny foram realizadas nessa época.

Petit Pont

Por ser de madeira, esta ponte com certeza caiu e foi reconstruída várias vezes. Entre 843 e 877, o rei Charles II le Chauve constrói torres de proteção, também em madeira, na entrada da ponte, que ele reforça. A Petit Pont fazia par com uma ponte mais ao norte, que era então chamada Grand Pont (hoje Pont Notre-Dame – Uma das pontes charmosas de Paris). Assim, a ponte menor (Petit) atravessa o braço sul do Sena, enquanto a maior (Grand) passa pelo braço norte do rio. São as duas pontes, na época, que dão acesso à Île de la Cité.

Petit Pont

A Petit Pont de Charles le Chauve tinha pilares de pedra e a plataforma em madeira. Em 885, os vikings tentam atacam as torres de madeira e a Petit Pont. Em 1111, é a vez do barão anglo-normando, Robert de Meulan, atacar ali. Ele consegue destruir as torres, a Petit Pont e a Grand Pont. A Petit Pont logo é reconstruída, com a mesma localização. Já as torres de madeira são substituídas por uma pequena fortaleza, o Petit Châtelet, construído em 1130 pelo rei Louis VI Le Gros (ele tinha esse apelido, Gros, porque era bem gordo).

Petit Pont
A Pont Saint-Michel vista a partir da Petit Pont

Em 1186, o bispo de Paris, Maurice de Sully, manda construir, no lugar, uma ponte de pedra. Ele paga do próprio bolso os custos da construção. Aí é que se começam a ter arquivos mais precisos sobre a história da Petit Pont. De acordo com os documentos, a ponte foi destruída em 1196, 1205, 1281, 1296, 1325, 1376 e 1393. Os arcos não eram tão altos e as cheias do Sena eram frequentes.

Petit Pont

E também, às vezes, ela não aguentava o número de passantes. Em 1205, quando uma procissão passou pela Petit Pont, várias pedras, que estavam soltas, caíram no rio. E foi só os fiéis atingirem a margem oposta do rio, que a ponte caiu, com as casas e tudo. Pois é, nessa época, a Petit Pont tinha casas. Em 1206, ela será reconstruída, mas, como vimos acima, ainda vai cair muitas vezes.

Petit Pont

Aliás, a história de uma dessas reconstruções é triste e interessante. Em 1394, o rei Charles VI, que já estava louco, cede à vontade da rainha, Isabeau de Bavière, e expulsa os judeus do reino. Os ricos, é claro, não foram expulsos. Mas seriam condenados à fogueira pelo prévot (uma espécie de prefeito) de Paris. O Parlamento, mais “clemente”, transforma a pena em castigo. Os judeus apanhariam em praça pública durante quatro domingos. Os golpes seriam dados até que eles sangrassem.

Petit Pont

E assim foi feito. No segundo domingo, eles gritam por perdão e oferecem dinheiro para pagar a pena. O rei aceita e é com esse dinheiro que a Petit Pont é reconstruída em 1395. Ela é terminada em 1406, mas somente alguns meses depois, em janeiro de 1407, é destruída de novo.

Petit Pont

Em 1409 acontece uma nova reconstrução da Petit Pont. Esta até que dura bastante. Somente um século mais tarde, talvez por causa de novas degradações, ela é modernizada e ganha, pela primeira vez, arcos abobadados. O responsável pela obra era conhecido como Frère Joconde. A “nova ponte” é mais alta do que as precedentes, para que não fosse levada tão facilmente em caso de uma cheia do rio. O mais curioso é que os novos arcos repousam nos pilares de pedra da época de Charles le Chauve.

Petit Pont

Apesar de não ter caído novamente, em 1573 a ponte é reforçada por uma estrutura de sustentação. É que o reino enfrentava as Guerras de Religião e era necessário permitir a passagem da artilharia, que saía de Paris, com destino ao cerco de La Rochelle.

Petit Pont

Já as casas de cima da ponte foram reconstruídas de forma simétrica em 1552 e depois em 1603. Até então as casas da Petit Pont eram construídas sem preocupações estéticas. E quem morava ou trabalhava dentro delas? Muitas vezes eram artesãos, que instalavam ali suas lojas. Ainda no século XVII, por exemplo, era nas construções da Petit Pont que acontecia o comércio de tecidos e passamanaria. Em 1659, as casas da ponte são restauradas, após terem sido danificadas por mais uma cheia do Sena.

Petit Pont

Na verdade, não eram só as chuvas que provocavam as cheias do rio. O degelo também inundava o Sena. E podia ainda ser pior, pois as placas de gelo se acumulavam entre os pilares das pontes, formando verdadeiras barragens. E a pressão dessas placas podia fazer uma ponte cair. E outra ameaça eram os incêndios, como o que ocorreu em 27 de abril de 1718.

Petit Pont
Pont au Double a partir da Petit Pont

E ele foi causado por causa da boa-fé dos parisienses. Naquela época, para retirar um corpo afogado do necrotério era necessário pagar 101 écus. Por outro lado, era muito mais barato comprar uma gamela de madeira, uma vela acesa e o pão de Saint-Nicolas (um pão de especiarias). Em seguida, tudo isso seria largado no Sena. Acreditava-se que onde a gamela parava seria o local onde estaria o corpo. Assim, muitas famílias, que não tinham muito dinheiro, recorriam a este recurso.

Petit Pont

Porém, neste 27 de abril de 1718, a gamela, jogada por uma mãe desesperada em encontrar o filho, vai parar perto de dois barcos carregados de feno. Por sua vez, estes soltam as amarras e, pegando fogo, são levados em direção à Petit Pont, onde ficam bloqueados. Assim, as casas da ponte, que eram em madeira, e a própria ponte são destruídas. O incêndio teria durado três dias, mas para os inflamados e exagerados cronistas da época o fogo queimou por três anos!

Petit Pont

No ano seguinte, graças a uma coleta realizada nas igrejas de Paris, a Petit Pont é reconstruída. Desta vez com três arcos e sem casas. A abertura do arco central é a mais larga, com 9,70 metros. Já as outras duas aberturas têm, respectivamente, 8,50 e 7,40 metros. Esta construção, apesar de ser restaurada em 1810, vai durar até 1852.

Petit Pont

Acontece que no século XIX, a navegação no Sena aumenta. E o braço do rio onde estava a Petit Pont era muito estreito, assim como os arcos da ponte. Era difícil passar por eles. Então, o imperador Napoléon III decide demolir a ponte “atual” e construir ali uma nova com um só arco. Os trabalhos são confiados a Paul-Martin Gallocher de Lagalisserie e Ernest Gariel, sob a supervisão de Alexandre Michal, engenheiro-chefe. Inaugurada em dezembro de 1853, é a ponte que vemos hoje, com 40 metros de comprimento e 20 de largura.

Petit Pont

Em 2013, a Petit Pont passa a ser chamada também de Cardinal-Lustiger. É uma homenagem a este religioso que foi arcebispo de Paris de 1981 a 2005. Hoje, a ponte é bastante frequentada, pois fica em um dos lugares mais turísticos de Paris. Em uma das suas extremidades, está o Parvis Notre-Dame, com a catedral, e a Préfecture de Police. Na outra margem, está o Quartier Latin, com suas ruelas e construções charmosas. É bem gostoso passear por ali e atravessar a Petit Pont, ainda mais sabendo de tudo o que ela passou. E, pode ficar sossegado(a): apesar de muita gente, automóveis e ônibus passarem por ela, ela é bem sólida!

Petit Pont
A Notre-Dame vista da Petit Pont

Petit Pont – Cardinal Lustiger
75005 Paris
Metrôs: Saint-Michel-Notre-Dame, linha 4, RER C e B
Cité – linha 4

Petit Pont

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Renata Rocha Inforzato

Sou de São Paulo, e moro em Paris desde 2010. Sou jornalista, formada pela Cásper Líbero. Aqui na França, me formei em História da Arte e Arqueologia na Université Paris X. Trabalho em todas essas áreas e também faço tradução, mas meu projeto mais importante é o Direto de Paris. Amo viajar, escrever, conhecer pessoas e ouvir histórias. Ah, e também sou louca por livros e animais.

Comentários (16)

  • MARILIA BAVARESCO Responder    

    5 de fevereiro de 2019 at 19:14

    Passei pela (ou pelo) Petit Pont em 2014 quando fiquei uma temporada nessa linda cidade e jamais imaginei tanta história por trás de cada uma delas, especialmente a menorzinha.
    Adoro teu site!!! Volto para Paris em março e com certeza muitas dicas estou “pegando” daqui!
    Obrigada por nos manter atualizados.

    • Renata Rocha Inforzato Responder    

      7 de fevereiro de 2019 at 5:30

      Oi Marilia, obrigadão pelo comentário e pela confiança aqui no site. Que você tenha uma ótima viagem e aproveite bastante da nossa Paris. Beijos

  • Gabriela Torrezani Responder    

    12 de fevereiro de 2019 at 12:16

    É verdade, muitas vezes passamos batido pelas belezas da nossa cidade. Eu mesma já fui a Paris diversas vezes e nunca tinha reparado na Petit Pont! Interessante a história dela 🙂

  • Adriana Magalhães Alves de Melo Responder    

    12 de fevereiro de 2019 at 17:50

    Quanta história de quedas e reconstruções numa ponte tão pequenininha… Mas adorei tudo. E a ponte é um charme!

  • Denise Barreto Responder    

    13 de fevereiro de 2019 at 10:35

    Eu passei por essa ponte e não imaginava a riqueza histórica por trás dela. Ótimo post! Abraços!

    • Renata Rocha Inforzato Responder    

      15 de março de 2019 at 12:13

      Oi Denise, obrigadão! Normal, não tem como não passar por ali. Por isso achei interessante contar a história dela. bjs

  • Ana Carolina Responder    

    13 de fevereiro de 2019 at 22:21

    Nossa não imaginava que essa seria a menor ponte de Paris. Adorei conhecer um pouco da história por traz dela. Ótimas dicas

  • Angela C S Anna Responder    

    16 de fevereiro de 2019 at 13:27

    q ponte fofinha, realmente paris tem varias surpresas escondidas na cidade! vou procura-la na proxima viagem

  • Johnnie Lustoza Responder    

    12 de agosto de 2019 at 14:39

    Poxa, vendo essa imagem da catedral de Notre-dame fica um pesar do que aconteceu com ela. Uma grande perda para a humanidade.

  • Direto de Paris - Jornalismo em Paris Responder    

    10 de setembro de 2019 at 14:26

    […] época dos romanos, havia só duas pontes que ligavam as margens do Sena à Île de la Cité: a Petit Pont e a Grand Pont. Elas são, inclusive, mencionadas por Cesar em Comentários sobre a Guerra Gálica. […]

  • Ronald de Almeida Silva Responder    

    8 de outubro de 2021 at 0:44

    PARABÉNS. DIRETO DE PARIS É UM GUIA DIGITAL DO MELHOR DE PARIS, A CIDADE DE TODOS OS APRECIADORES DA ARQUITETURA, DA URBANÍSTICA E DA ENGENHARIA, COM TEMPERO FORTE DE MILÊNIOS DE HISTÓRIA E CULTURA.
    Ronald Almeida SLZ-MA 07OUT2021
    Arquiteto Urbanista FAU-UFRJ 1968-72.
    P.S. Tenho uma boa história sobre a NOTRE DAME, a catedral das catedrais.
    Recomendo uma entrevista com o Arquiteto BERNARD FONQUERNIE.

    • Renata Rocha Inforzato Responder    

      28 de fevereiro de 2022 at 0:17

      Oi Ronald, obrigada pelo comentário. Espero que continue lendo e acompanhando o site. Vou ver a entrevista. Um abraço

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