Uma das lacunas daqui do blog é a falta de textos sobre Montmartre, mas hoje vim reparar esta falta falando de um lugar que é o coração deste bairro: a Place du Tertre. Mesmo com muitos turistas durante o ano todo, esta praça ainda guarda o espírito de vilarejo e nos faz voltar um pouco ao passado.
Situada a 130 metros de altitude, no topo da Butte Montmartre, ponto mais alto de Paris, a Place du Tertre tem uma história onde é um pouco difícil estabelecer o que é verdade ou lenda. Por exemplo, tem uma placa de 1966 comemorando os 600 anos da praça, ou seja, ela teria sido criada em 1366. Mas várias fontes históricas contestam esta placa e colocam 1635 como data da construção do lugar. Bom, talvez em 1635 tenha sido uma reconstrução ou, então, quando ela se tornou uma praça de verdade, vai saber.
Place du Tertre
O que é certo é que onde hoje fica a igreja de Saint Pierre, ali perto, desde a época dos romanos era o lugar de um templo dedicado a Marte. Mais tarde, em 1134, uma abadia é construída ali perto. Na Idade Média, nobres, senhores feudais e chefes de congregações religiosas tinham o direito de exercer a Justiça. Então, ali onde hoje está a Place du Tertre, a abadessa instalou um pelourinho e o tronco, e haviam até execuções por enforcamento, sendo a última delas em 1735.
Église Saint-Pierre
O nome Tertre vem do fato dela ser situada em uma pequena colina plana. Mas outra versão diz que ela é chamada assim por causa do cobrador da abadia, que se chamava Guillaume Dutertre, isso lá pelo ano de 1503.
Com a Revolução Francesa, o governo divide a região em duas partes: a parte baixa é anexada à Paris. A parte alta, onde fica a praça, forma um vilarejo. Começa a haver uma especulação imobiliária e a população cresce.
É quando o bairro começa a atrair os artistas. Ao contrário do que muitos pensam, isso não começou com os impressionistas. Théodore Géricault, um dos maiores pintores do Romantismo francês, já frequentava Montmartre. E a ele seguiram-se Jean-Baptiste Camille Corot, Renoir, Camille Pissarro, Van Gogh, Cézanne, Suzanne Valadon, Maurice Utrillo (filho de Valadon e nascido em Montmartre), Toulouse-Lautrec, Mondigliani, Picasso, só para citar alguns.
A Place du Tertre respira esse ar boêmio, já que todos esses artistas – pintores, compositores, escritores e poetas – se reuniam também nos cafés e hotéis que ficavam no entorno da praça. O antigo hotel Bouscarat, hoje demolido, era ponto de encontro de muitos deles, como Eric Satie, que alugava um quarto ali.
Em 1860, Montmartre é anexada a Paris. Mas o bairro continua a ter o ar de vilarejo: na Place du Tertre era comum ver crianças brincando, famílias passeando e outros bebendo tranquilamente seus cafés ou vinhos.
Esse clima de boemia vai mais ou menos até a Primeira Guerra Mundial. Depois, o bairro vai perdendo o status para outros, como Montparnasse. A ocupação da Place du Tertre pelos cavaletes de pintores e caricaturistas, como vemos hoje, começou em 1955. A partir de 1980, o Carré aux Artistes, como se chama o espaço que eles ocupam no centro da praça, passa a ser gerenciado pela prefeitura de Paris.
E conseguir um lugar ali não é fácil: são 149 lugares de 1 metro quadrado. Cada um deles é usado por dois artistas, que se revezam por semana. Até pouco tempo, a seleção era feita unicamente por dossiê, ou seja, por portfólio. Mas, desde 2012, a prefeitura instituiu um exame, pois muita gente entregava obras que não eram suas. Somente quatro estilos de arte são aceitos ali: os retratos, as caricaturas, as siluetas e as pinturas. E a autorização deve ser renovada todos os anos. Os que não conseguem essa autorização circulam no meio dos turistas, na esperança de conseguir, eles também, vender ao menos um retrato, que executam ali mesmo em pé.
As atrações da praça
A antiga prefeitura da Commune de Montmarte – Quando o governo da Revolução Francesa criou o município, vamos assim dizer, de Montmartre, o número 3 da praça passou a abrigar a prefeitura. O mais curioso é que o lugar era nada mais nada menos que a residência do próprio prefeito, Félix Desportes, que já morava ali fazia alguns anos e foi o primeiro a assumir o cargo.
No número 7, há uma placa que diz que o escultor e desenhista Maurice Drouard viveu no local. Na verdade, há pouca informação sobre ele, exceto que nasceu ou foi criado em Montmartre, era amigo de Modigliani e saiu dali para lutar na Primeira Guerra Mundial, onde morreu em 1915.
No número 11, há uma galeria, a Galerie Montmartre muito interessante. Se você gosta de arte, vale a visita.
No número 21, onde há o Syndicat d’Initiative de Montmartre, há uma placa comemorando o seguinte acontecimento: em 24 de dezembro de 1898, um carro movido a petróleo, construído e conduzido por Louis Renault, chega até ali, na Place du Tertre. Seria, então, o começo a indústria automobilística francesa. Aproveite e entre no Syndicat, pois você vai encontrar muitas informações turísticas sobre o bairro e sobre eventos e visitas guiadas.
No número 6, está o restaurante La Mère Catherine. Aberto em 1793, ele se proclama o mais antigo restaurante da praça. Dizem que foi ali que nasceu a palavra “bistrot”: em 1814, durante a ocupação russa em Montmartre, os soldados russos saíam para beber. Só que como eles iam sempre escondidos – não tinham permissão para sair dos seus postos -, tinham pressa e gritavam “býstro”, ou seja, rápido. Mas as garçonetes entendiam “para beber”. Essa versão é contestada, é claro, mas fez a reputação do restaurante.
Ainda no número 6, está a placa que indica que a Commune Libre de Montmartre funcionava na praça, mas no número 19. Fundada em 1920 por Jules Depaquit, é uma associação independente e dela faziam parte personalidades como Picasso, os escritores Max Jacob e André Breton, o multiartista Francis Picabia e outros. Eles se reuniam e elegiam prefeitos, que faziam uma série de inovações pelo bairro. A Fête des Vendanges (Festa do vinho tradicional de Montmartre), por exemplo, foi criada por esta associação. Hoje ela está instalada numa rua ali perto (rue du Mont-Cenis) e organiza eventos ligados à história de Montmartre.
Outra atração, por assim dizer, da Place du Tertre, é claro, são os artistas de agora. Mesmo que você não tenha dinheiro para ser desenhado (a) por eles (os preços vão de 30 euros para cima), vale a pena observar os trabalhos e até mesmo conversar com algum deles. A maioria é simpática e gosta de bater papo.
Para fazer este texto, conversei com dois deles. O primeiro foi o Kem. Discreto, ele não fala a idade, mas diz que nasceu ali mesmo em Montmartre. Está na praça há 40 anos e nem pensa em se aposentar. Orgulhoso de seu trabalho, ele mostra o autorretrato que fez há alguns anos e que está sempre com ele.
Kem, orgulhoso ao lado do seu autorretrato
O outro artista que conversei foi o Pavlos. Ao contrário de muitos na Place du Tertre, ele não faz retratos e sim expõe suas pinturas inspiradas na paisagem de Montmartre. E está ali há 39 anos. Quando é a semana de outro artista ocupar o espaço na praça (lembre-se, cada lugar é ocupado por dois artistas, que se revezam), ele vai para a região da Dourdogne, onde vive. Lá, o pintor tem um atelier e também faz exposições.
Pavlos e suas obras
Place du Tertre
75018 Paris
Metrôs: Abbesses – linha 12 (depois subir a pé ou andar um pouco e pegar o Funicular)
Anvers – linha 2 (depois pegar o Funicular)
Pigalle – linhas 2 e 12 (depois pegar o Montmartrobus e descer na parada Place du Tertre)
Sou de São Paulo, e moro em Paris desde 2010. Sou jornalista, formada pela Cásper Líbero. Aqui na França, me formei em História da Arte e Arqueologia na Université Paris X. Trabalho em todas essas áreas e também faço tradução, mas meu projeto mais importante é o Direto de Paris. Amo viajar, escrever, conhecer pessoas e ouvir histórias. Ah, e também sou louca por livros e animais.
Muito obrigada pela bela lembrança. Estive em Paris em 2009 e, é claro, visitei Montmartre. Eu me apaixonei por esse bairro e assim permanecerei pela eternidade.
Adoro seus artigos. Vou sempre à Paris, mas só fui à Momtmartre na minha primeira viagem e isso lá se vão mais de 20 anos!!!
Estou planejando ir lá dessa vez. Você recomenda algum restaurante da praça ou vizinhança?
Bom dia
Estou indo a Paris com minha família em junho.e gostaria de saber se você faz passeio com grupos. Caso contrário, se você indica alguém ou alguma empresa.
Oi Clarissa. Faço sim, mas não dentro de museus. Me escreva no email contato@diretodeparis.com com as datas da sua vinda e o que você gostaria de ver, quais as preferências de vocês. Um abraço
Uma das publicações mais completas que encontrei na internet! Você até mesmo conversou com os artistas e esmiuçou todos os detalhes da praça para nós. Parabéns pelo ótimo site e obrigado por todas as informações.
Gostei muito das informações sobre a Place Du Tertre.
Já conheço mas, como vou voltar a Paris em Agosto agora, gostaria de saber se aos Domingos a Praça fica movimentada e lojas e restaurantes abertos. Chego em torno de 15hs e gostaria de terminar a tarde com a linda vista de Sacre Couer.
Obrigada e parabéns.
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Comentários (15)
Izildinha Vitoreli
6 de março de 2016 at 22:38Muito obrigada pela bela lembrança. Estive em Paris em 2009 e, é claro, visitei Montmartre. Eu me apaixonei por esse bairro e assim permanecerei pela eternidade.
Renata Rocha Inforzato
7 de março de 2016 at 19:03Oi Izildinha, que bom que você gostou de Montmartre, espero que volte um dia. Obrigada pelo comentário
Heloisa Serra
10 de julho de 2021 at 2:56Sim, foi essa Praça, em todo seu lado esquerdo e a Igreja que eu pintei numa tela 100 x 80 com base numa pequena foto que um cliente me emprestou.
Alexia
1 de abril de 2016 at 19:07Oi Renata,
Adoro seus artigos. Vou sempre à Paris, mas só fui à Momtmartre na minha primeira viagem e isso lá se vão mais de 20 anos!!!
Estou planejando ir lá dessa vez. Você recomenda algum restaurante da praça ou vizinhança?
Um abraço,
Renata Rocha Inforzato
6 de abril de 2016 at 20:10Oi Alexia! Obrigada. Da última vez que estive ali, fui no Chez Eugène, ali mesmo na praça, e gostei muito. Um abraço
Clarissa
15 de maio de 2016 at 14:06Bom dia
Estou indo a Paris com minha família em junho.e gostaria de saber se você faz passeio com grupos. Caso contrário, se você indica alguém ou alguma empresa.
Abraço
Clarissa
Renata Rocha Inforzato
15 de maio de 2016 at 14:10Oi Clarissa. Faço sim, mas não dentro de museus. Me escreva no email contato@diretodeparis.com com as datas da sua vinda e o que você gostaria de ver, quais as preferências de vocês. Um abraço
Alberto
7 de setembro de 2016 at 11:54Muito bom o seu artigo!!! Não tem mais, o museu de Cêra ??? Estive lá em 1976.
Renata Rocha Inforzato
7 de setembro de 2016 at 19:51Oi Alberto. Agora o único museu de cera que tem é o Grévin, no 9eme. Um abraço
Edgar
24 de março de 2018 at 3:38Uma das publicações mais completas que encontrei na internet! Você até mesmo conversou com os artistas e esmiuçou todos os detalhes da praça para nós. Parabéns pelo ótimo site e obrigado por todas as informações.
Renata Rocha Inforzato
24 de março de 2018 at 12:01Oi Edgar, obrigadão pelo comentário. Ganhei o dia agora. Um abração
Eliana T. Gonçalves
23 de maio de 2018 at 12:35Gostei muito das informações sobre a Place Du Tertre.
Já conheço mas, como vou voltar a Paris em Agosto agora, gostaria de saber se aos Domingos a Praça fica movimentada e lojas e restaurantes abertos. Chego em torno de 15hs e gostaria de terminar a tarde com a linda vista de Sacre Couer.
Obrigada e parabéns.
Renata Rocha Inforzato
9 de agosto de 2018 at 11:14Oi Eliana, fica sim bem movimentada. Um abraço
Gutemberg Ostemberg
3 de novembro de 2020 at 18:38Oi. Adorei esse lugar e não sabia o nome. Em busca pelo Google achei aqui. Adorei ver mais sobre o lugar. Muito show. Parabéns
Renata Rocha Inforzato
17 de novembro de 2020 at 23:02Oi Gutemberg, obrigada pelo comentario