Uma coisa que notei muito em Nancy foi a quantidade de “Portes” (portas). Nas cidades francesas, elas são muitas, mas parece que na capital da Lorraine tem ainda mais. E cada uma com arquitetura e história interessantes, que fazem delas verdadeiras atrações turísticas.
Porte Saint-Nicolas
A presença das portas em uma cidade significa que o governante daquele lugar pensou em duas coisas: defesa e/ou em mostrar a glória de si mesmo ou do seu soberano. Semelhantes aos arcos do triunfo, mas nem todas o são, elas eram usadas também para entradas triunfais na cidade. Em Nancy, há nove portas. Aqui vou considerar o Arc de Triomphe como uma delas.
Porte Stanislas
1) Arc de Triomphe
Já falei dele no texto de Nancy. É o mais imponente, construído na época de Stanislas. Nele, há três baixos relevos: os dois laterais mostram Apolo, em dois episódios: matando o dragão e tocando lira com as musas. A alusão a Apolo não é por acaso. Ele é o deus sol na mitologia Greco-romana e, na época da construção do monumento, o sol era associado ao rei. Apesar de ser Louis XIV conhecido como Roi-Soleil, essa metáfora aqui é perpetuada por Stanislas, que a usa para homenagear o genro, o rei Louis XV. O baixo relevo central mostra Minerva, deusa da guerra (conquista de territórios), da estratégia, da sabedoria e das artes; e Mercúrio, deus do comércio e da inteligência: as qualidades dos dois deuses são tudo o que um rei precisa para governar.
Em cima da cornija, esculturas de Cères, Minerva, Marte e Hércules acentuam o caráter divino do soberano e atribuem a característica de cada divindade ao rei, como, por exemplo, a força de Hércules.
Hércules
A utilização, no topo do arco, de figuras alegóricas representando a Fama e a Paz, também são alusões ao soberano, pois ele deve ser célebre, imortalizar seu reino e promover a paz. E é Minerva, que segura o medalhão de Louis XV, que fecha toda essa referência. Dá para ver que Stanislas estava realmente agradecido ao genro por ter ganhado a Lorraine de presente.
2) Porte de la Craffe
Uma das portas da Nancy medieval – única que resta. Leva esse nome porque fica perto de um lugar que era uma espécie de lixão (escraffe) da época. Foi construída no século XIV, cercada por duas torres redondas em 1463. Imponente, era usada pelos duques para fazer entradas solenes na cidade. Também foi usada como prisão. Na fachada, entre outros elementos, os símbolos da Lorraine: o chardon (aqui traduzido como espinho) e a cruz.
3) Porte Notre-Dame
Muitos consideram como a parte exterior da Porte de la Craffe, outros como uma porta separada. O fato é que a Notre-Dame é ligada à precedente apenas por um túnel. De acordo com registros, a fachada externa da Porte de la Craffe foi separada durante uma restauração em 1615. Desde então, elas passaram a ser ligadas pelo túnel em abóboda construído em chicane para dificultar o acesso de invasores que, por ventura, tivessem passado pela primeira porta. O nome Notre-Dame vem da cena da Anunciação que havia na fachada.
O túnel
4) Porte de la Citadelle
Apesar de o nome vir da citadela que os franceses construíram durante a ocupação, ela é bem mais antiga, pois fazia parte da muralha construída em 1598, durante o reino do duque Charles III. O estilo é do Renascimento, com baixos relevos e troféus de brasões, como na Antiguidade. Mas há um toque medieval com os cavaleiros.
A parte voltada para a cidade é sempre mais simplesA parte voltada para exterior quase sempre é mais trabalhada, pois era a primeira coisa que os visitantes viam
5) Porte Désilles
Não é propriamente uma porta e sim um monumento comemorativo. Leva o nome de um jovem militar chamado Désilles. Em 1790, três regimentos que ficavam em Nancy se revoltam. La Fayette, monarquista, envia contra eles as tropas reais, aqui, nesse caso, do Marquês de Bouille.
Désilles, para evitar um confronto fratricida (pois eram todos moradores da cidade), se joga na boca de um canhão, na hora do disparo contra os rebeldes, e morre. Em 1976, o Conselho Municipal rebatiza a porta com o nome do mártir. Construída em 1867, até então era uma homenagem á independência americana, como mostram os baixos relevos.
6) Porte Sainte-Catherine
Está no final da rua de mesmo nome. Foi construída em 1752, por Emmanuel Héré a mando de Stanislas, para homenagear a santa protetora de sua esposa, que também se chamava Catherine. Só que essa porta, realizada com os detritos da antiga Porte Royal, é considerada muito instável. Então, em 1762, o duque de Lorraine confia a construção de uma nova porta a Richard Mique. Como elemento de decoração, na fachada externa, há um barco em baixo relevo, símbolo da família Opalinska, à qual pertencia a mulher de Stanislas. Na fachada interna, figuras mitológicas.
7) Porte Stanislas
Era chamada de Saint-Stanislas e foi construída para fazer conjunto com a Porte Sainte-Catherine, fechando o lado oeste da cidade. O nome Stanislas faz referência ao último duque de Lorraine, assim como a de Catherine à sua esposa. A ideia era que o viajante chegasse pela Porte Sainte-Catherine, passasse pela Place Stanislas e saísse pela Porte Stanislas ou vice-versa, vendo assim as realizações do duque.
Também foi construída por Héré, julgada instável e reconstruída por Mique, tudo na mesma época. Também de inspiração Neoclássica, os baixos relevos da fachada interna também representam Minerva e o outro Apolo tocando a lira – assim como no Arc de Triomphe. Mas aqui os brasões eram de Stanislas, apagados na Revolução Francesa. Acima, quatro esculturas representando as artes liberais: Música, Arquitetura, Escultura e Pintura. Na fachada externa, Marte e Hércules, assim também como no arco.
Hércules no centro
8) Porte Saint-Georges
Foi construída entre 1606 e 1619, durante a criação da Vila Neuve (Cidade Nova) por Charles III. Decorada com a estátua equestre do patrono dos cavaleiros: São Jorge, assim como de personagens representando a guerra e a paz. Com a construção do tranway, em 1878, ela seria demolida.
É então que entra em cena Émile Gallé, que cria um comitê para salvar o monumento. Ele pede o apoio do escritor Victor Hugo, que era defensor do patrimônio antigo e ligado à cidade por laços de família. É graças a Gallé e ao autor do Corcunda de Notre-Dame que hoje podemos visitar a passar pela Porte Saint-Georges.
9) Porte Saint-Nicolas
Essa porta também foi construída durante o governo do duque Charles III. É um dos vestígios do sistema defensivo feito pelo nobre durante a construção da Ville Neuve (Cidade Nova). Foi muito mudada ao longo dos séculos, principalmente em 1865. O nome Saint-Nicolas é por causa da localização: ela fica quase na saída de Nancy em direção a Saint-Nicolas-de-Port, cidade vizinha, conhecida como lugar de peregrinação dos devotos do santo, muito popular na Lorraine. Ela é uma porta dupla, separadas por arcadas. Os relevos com desenhos militares de uma contrastam com as crianças e vasos no topo da outra.
É impossível não vê-las e ao menos não cruzar com alguma dessas portas. Na mistura de épocas que é Nancy, elas se integram bem à paisagem e contam a história da cidade. Se estiver de passagem por ali, não hesite em passar por uma delas. Ou, até mesmo, por todas.
Porte Saint-Georges
Como ir a Nancy
A partir de Paris, você pega o trem TGV na Gare de l’Est em direção a Nancy. A viagem dura mais ou menos 1h30. Para saber os preços e comprar a passagem, acesse o site da SNCF (empresa de trens francesa).
Sou de São Paulo, e moro em Paris desde 2010. Sou jornalista, formada pela Cásper Líbero. Aqui na França, me formei em História da Arte e Arqueologia na Université Paris X. Trabalho em todas essas áreas e também faço tradução, mas meu projeto mais importante é o Direto de Paris. Amo viajar, escrever, conhecer pessoas e ouvir histórias. Ah, e também sou louca por livros e animais.
Muito legal mais este seu post. Como sempre recheado de informações históricas e referências dos lugares. Super!!
A propósito, recebeu minhas fotos dos carrosséis de Paris?
Grato, boa semana!
Eduardo Von
[…] Pois este é um desses posts. Depois de falar do hotel em que fiquei, da cidade em geral e das portas e arcos do triunfo, agora é a vez dos parques e jardins. Não é uma lista completa, porque não tive tempo de ir a […]
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Comentários (5)
Eduardo Von Atzingen
23 de agosto de 2015 at 20:32Muito legal mais este seu post. Como sempre recheado de informações históricas e referências dos lugares. Super!!
A propósito, recebeu minhas fotos dos carrosséis de Paris?
Grato, boa semana!
Eduardo Von
Renata Inforzato
23 de agosto de 2015 at 23:14Oi Eduardo, não vi ainda porque estou viajando. Mas obrigada por acompanhar o blog. Boa semana pra vc tb.
Fernanda Scafi
23 de agosto de 2015 at 22:02Que lindas! Nunca tinha prestado atenção nessa cidade pra falar a verdade, mas adorei suas fotos nas redes sociais!
Renata Inforzato
23 de agosto de 2015 at 23:15Oi Fê, fiquei apaixonada por Nancy. Me surpreendeu. Quando puder, venha conhecer. Obrigadão pelo comentario… beijos
Nancy – entre parques e jardins da cidade - Direto de ParisDireto de Paris
27 de fevereiro de 2016 at 10:21[…] Pois este é um desses posts. Depois de falar do hotel em que fiquei, da cidade em geral e das portas e arcos do triunfo, agora é a vez dos parques e jardins. Não é uma lista completa, porque não tive tempo de ir a […]