Asnières-sur-Seine

Um cemitério insólito perto de Paris

6 de outubro de 2017

Last Updated on 2 de outubro de 2021 by Renata Rocha Inforzato

Hoje o assunto aqui é um lugar completamente insólito perto de Paris: um cemitério! Mas não é um cemitério comum: é de animais, o mais antigo do mundo, com túmulos que parecem com os de um cemitério de humanos.

cemitério

Apesar do nome ser “Cemitério de Cachorros” (Cimétière des Chiens), aqui você encontra de tudo: cães, gatos, cavalos, coelhos e até macacos e galinhas, além de outros animais. Sei que pelo mundo, inclusive no Brasil, já existem vários cemitérios de cães e gatos, mas este é diferente por dois motivos. Primeiro porque os túmulos são como os de um cemitério humano. Segundo, porque ele tem mais de cem anos, sendo o mais antigo do mundo.

Cemitério

A história do lugar começa ainda no século XIX. Até esta época, os animais eram praticamente vistos apenas como utilitários. Porém, aos poucos este status começa a mudar e eles se tornam animais de companhia, chegando a ter uma qualidade de vida quase igual a dos homens. Em 1824 é criada, na Inglaterra, a Sociedade Protetora dos Animais. Em 1845, ela chega à França.

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Porém, ao morrerem, os bichinhos deveriam ser levados em até 24 horas a um lugar específico, onde o corpo seria queimado. Mas nem sempre era isso que acontecia. Várias vezes, os cadáveres dos animais eram jogados no lixo comum ou até mesmo no Sena. Até que, em 21 de junho de 1898, uma lei autoriza que os animais de estimação sejam enterrados, desde que, se possível, a 100 metros de qualquer habitação e que o corpo seja coberto por, ao menos, 1 metro de terra.

Cemitério

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Agora já era possível até ter um cemitério para animais e é isso que Georges Harmois e Marguerite Durand querem fazer. Ele trabalhava como advogado e jornalista, enquanto ela era escritora e também jornalista, feminista, tendo fundado o jornal La Fronde. Juntos, eles passam a procurar um lugar ideal, perto de Paris, para construir um cemitério de animais.

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A foto está pequena, mas dá para ver: Rosalinde é um pássaro

Asnières-sur-Seine é uma cidade a menos de cinco quilômetros ao noroeste de Paris. Ela fica na margem esquerda do Sena e, no século XIX, era um destino muito apreciado pelos parisienses para passar o final de semana. Inclusive, foi retratada por vários pintores, como, por exemplo, Van Gogh.

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Ali perto, em frente às margens do Sena, em Asnières, ficava a Île des Ravageurs. No século XIX, esta ilha era ocupada por catadores, por assim dizer, que pegavam tecidos, metais e outros objetos, que encontravam jogados por ali, para revender.

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Então, os dois amigos veem na ilha o lugar ideal para a construção do cemitério. Em maio de 1899, Georges e Marguerite criam a Société Française Anonyme du Cimetière pour Chiens et Autres Animaux. E um mês depois, em junho, compram a metade da Île des Ravageurs de um aristocrata local, o barão de Bosmolet.

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Após terem prometido respeitar a lei sobre o enterro dos corpos dos animais, eles conseguem do prefeito de Asnières a autorização para construir o cemitério. Os dois amigos contratam o arquiteto parisiense Eugène Petit, que desenha a entrada do lugar, em Art Nouveau. A ideia é que o cemitério tivesse até um ossuário e um museu de animais domésticos. Mas somente a entrada, os jardins e a necrópole são construídos.

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A construção é rápida e, em setembro de 1899, o primeiro cemitério de animais do mundo é aberto oficialmente ao público. Com uma área para cachorros, outra para gatos, uma terceira para pássaros e a quarta para outros animais, o sucesso vem logo.

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Este dono colocou na sepultura as bolinhas com as quais seu cachorro brincava

Porém isto não quer dizer que não houve dificuldades ao logo da história do lugar. A pior e mais recente delas é de 1986, quando um decreto do conselho de administração determina o fechamento do cemitério para setembro de 1987.

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Olhem a idade desses túmulos

Como é comum na História Francesa, os concessionários (que haviam comprado túmulos para os seus animais) e os fãs do cemitério começaram uma campanha para salvá-lo e mantê-lo em atividade. A prefeitura de Asnières-sur-Seine entra em ação, preparando um projeto de salvamento do lugar, que começa com um pedido para que o lugar seja tombado como Monumento Histórico.

Cemitério

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E é o que acontece em junho de 1987: Cimetière des Chiens é tombado pelo departamento de Hauts-de-Senne (departamento da periferia francesa onde fica o cemitério), por causa do “seu interesse, ao mesmo tempo, pitoresco, artístico, histórico e lendário”. E um dia depois, a prefeitura desapropria o terreno e passa a ser a dona do lugar. Com o aval do prefeito, uma sociedade independente administra o cemitério por dez anos. Em 1997, a prefeitura de Asnières retoma gestão do lugar.

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Em 2001, o cemitério passa por uma restauração: a entrada e o paisagismo são restaurados. Hoje, são 869 concessionários, que enterram e cuidam dos túmulos de seus animais de estimação com amor e carinho. Apesar de ter muitas sepulturas antigas, com mais de 100 anos, e abandonadas, a área é muito bem cuidada e, como qualquer cemitério, é um lugar de paz e de reflexão.

Cemitério

Cemitério
Lápides que viraram degraus

Algumas curiosidades do cemitério

1) Monument à Gloire de Barry (Monumento à Glória de Barry) – Este cachorro viveu no começo do século XIX e era dos monges do Hospice du Grand Saint-Bernard. Depois de ter salvado a vida de quarenta pessoas, ele foi morto pela 41ª. O monumento foi construído e colocado ali em 1900.

2) Monumento construído à memória dos cachorros policiais mortos em serviço. No começo do século XX, as delegacias passaram a contar com a ajuda dos cães. O monumento, de 1912, abriga Dora (1907-1920), que era da delegacia de Asnières-sur-Seine; Top, cão que recebeu várias medalhas; Léo, morto em serviço; e Papillon, que trabalhou oito anos na delegacia do 16e arrondissement, em Paris.

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Monumento à Barry
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Monumento aos cachorros policiais

3) Monument à la Mémoire de Moustache (Monumento à Memória de Moustache) – Era mascote do exército francês de 1799 a 1811. Acompanhava o exército de Napoleão I. Dizem que, já famoso por seus atos heróicos, Moustache, ao ser apresentado ao Imperador, teria colocado a pata na orelha como em uma saudação militar. Seu monumento foi o último a ser colocado no cemitério, em 2006.

4) Há também várias sepulturas de cães de trincheira, isto é, que participaram da Primeira Guerra Mundial. Um exemplo é o cão Drapeau, que morreu depois do conflito, em 1922.

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Monumento à Moustache
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Túmulo de Drapeau

5) Prince of Wales – Segundo o epitáfio de seu túmulo, este cão-artista apareceu 406 vezes no palco do Théâtre du Gymnase, entre 1905 e 1906.

6) Rin Tin Tin – Este é o túmulo mais famoso do cemitério. No final da Primeira Guerra, o cabo Lee Duncan encontrou na região da Lorraine um canil abandonado e dentro dele uma cadela e filhotes. Ele adotou dois dos cãezinhos e seus colegas soldados ficaram com os outros e a mãe. Um dos filhotes de Duncan morreu, então ele passou a ensinar vários truques ao outro, que chamou de Rin Tin Tin. De volta aos Estados Unidos, o pastor alemão ficou famoso por esses truques e virou estrela de cinema, fazendo 22 filmes. Quando o cão morreu, em 1932, aos 14 anos, Leo Duncan decidiu enterrá-lo na França, o país natal do animal. E o cemitério não poderia ser outro, que não o de Asnières. Esse foi o primeiro Rin Tin Tin.

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Túmulo de Rin Tin Tin

7) Há também vários túmulos de animais de companhia de pessoas famosas, príncipes e princesas. Como, por exemplo, Drac, o cavalo da princesa Elisabeth da Romênia.

8) Ou Gribouille, o cavalo de Marguerite Durand, uma das fundadoras do cemitério.

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Túmulo de Drac, o cavalo da princesa da Romênia
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Túmulo de Gribouille, o cavalo da fundadora do cemitério

9) Porém, a maioria dos bichinhos é anônima. Mesmo assim, o ato de amor dos seus donos não é menor. Há verdadeiros mausoléus, onde estão enterrados vários animais da mesma família (por que não chamar assim?)

10) Alguns túmulos são verdadeiras provas de criatividade e luxo. Como, por exemplo, uma milionária americana que enterrou seu cachorro, Tipsy, com uma coleira de diamantes de 9 mil euros. A sepultura, que, em minha opinião é de um gosto duvidoso, foi profanada em 2012, e a jóia foi levada. Hoje, o túmulo fica protegido, igual ao do Jim Morrison, no Père-Lachaise

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Vários bichinhos da mesma família
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Túmulo de Tipsy, que teve a coleira roubada

11) Outros túmulos contém verdadeiras declarações de amor. Para quem pensa que este é um fato recente, há várias sepulturas do final do século XIX ou começo do XX cheias de testemunhos tocantes sobre a fidelidade do animal de estimação enterrado ali.

12) Muitos donos, inclusive, colocam no túmulo fotos deles mesmos com o animal que morreu. Com o bichinho vivo, é claro!

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Uma declaração para cada gatinho nesse túmulo
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Vários donos colocam até mesmo fotos deles com o bichinho que morreu

13) O mais anônimo dos animais enterrados ali é um cãozinho de rua que escolheu o cemitério para morrer: ele morreu bem na entrada, em 15 de maio de 1958. Na época, a direção construiu para ele um monumento: ele foi o 40 000º animal a ser enterrado no lugar.

14) Nem só cães estão enterrados ali. Há gatos, cavalos, ovelhas, coelhos e até macaco e galinha. Como o túmulo de Kiki, macaquinha que morreu no começo do século passado. O epitáfio diz: “Durma, minha querida. Você foi a alegria da minha vida”.

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Túmulo da macaquinha Kiki

15) Ou a sepultura de Cocotte, galinha que faleceu em 1922. Aliás, o túmulo dela é um dos que contém uma linda declaração de amor: “Para a minha Cocotte. Amada. Que viveu 16 anos. Fiel companheira. Inseparável. Saudades da sua dona, que está inconsolável. Eu era muito apegada a você. Você nunca será esquecida. Saudades, R.O.C. »

16) Dentre os gatinhos, há Kroumir, que morreu de tristeza dois dias depois de seu dono, o jornalista e político, Henri de Rochefort.

17) Há também animais vivos no cemitério, mais especificamente gatos. Eles são alimentados e cuidados pela Maison des Chats, uma associação de defesa desses felinos. A entidade tem até um túmulo no lugar, onde são enterrados os gatos de rua cuidados por ela.

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Túmulo da galinha Cocotte

O Cimetière des Chiens tem muitas sepulturas bem floridas. Vários proprietários dos animais mortos vão sempre ali. Eu mesma cruzei com muitos em minhas visitas ao cemitério, que fica bem perto da minha casa. O valor que eles pagam depende do tamanho da área da sepultura, do túmulo em si e do tipo de concessão. Há proprietários que vêm de várias partes da França e até de outros países da Europa.

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Porém, há muitas sepulturas antigas que já estão abandonadas (os donos já morreram também) e continuam ali porque na época a concessão era perpétua e também por respeito e pela memória do próprio cemitério. Como escrevi ali em cima, é um lugar de reflexão e de paz, por que não?

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O túmulo mais florido

A área onde fica o cemitério não é mais uma ilha desde que alguns trabalhos foram realizados no Sena e nas suas margens em 1975. Com isso, o acesso ficou mais fácil. A única dificuldade na visita é localizar os túmulos mais famosos. Um folheto é dado na entrada, mas ele tem poucas fotos.

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Confesso para vocês que na minha primeira visita achei até exagero, ainda mais vendo certos túmulos enormes e caros. Mas, um tempo depois de uma das minhas visitas, três dos meus gatos – que eram meus e da minha mãe e estavam com ela no Brasil – morreram. E eu pensei: “Se tivesse como, talvez eu os enterrasse assim, com túmulo, foto e tudo”.

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Túmulo de um coelhinho chamado Bambi

Cimetière des Chiens d’Asnières-sur-Seine
4 Pont de Clichy
92600 Asnières-sur-Seine
Telefone +33 1 40 86 21 11
Horários: De 16 de março a 15 de outubro, aberto de terça a domingo, das 10h às 18h. De 16 de outubro a 15 de março, de terça a domingo, das 10h às 16h30.
Tarifas: 3,50 euros. Crianças de 6 a 12 anos: 1,50 euro. Gratuito para crianças menores de seis anos.
Como ir: da Gare Saint-Lazare, pegar o trem transilien linhas L ou J e descer na Gare d’Asnières. O trajeto dura pouco menos de dez minutos. Depois, você anda mais uns dez minutos até o cemitério

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Renata Rocha Inforzato

Sou de São Paulo, e moro em Paris desde 2010. Sou jornalista, formada pela Cásper Líbero. Aqui na França, me formei em História da Arte e Arqueologia na Université Paris X. Trabalho em todas essas áreas e também faço tradução, mas meu projeto mais importante é o Direto de Paris. Amo viajar, escrever, conhecer pessoas e ouvir histórias. Ah, e também sou louca por livros e animais.

Comentários (23)

  • rui batista Responder    

    4 de novembro de 2017 at 23:03

    Insólito, mas gostei 🙂 Uma forma diferente de conhecer os destinos…

  • Joice Responder    

    5 de novembro de 2017 at 13:48

    Nossa! Achei demais! É tão bom abrir um post de um lugar completamente novo pra mim. Parabéns pelo blog e obrigada por compartilhar esse post.

  • Patricia Camara Responder    

    5 de novembro de 2017 at 22:23

    Meus Deus! Insólito mesmo eheh Confesso que não são locais por onde goste de passear, mas parabéns pela coragem e por captar todos os detalhes desse local.

  • Juliana Responder    

    5 de novembro de 2017 at 23:59

    Ponha insólito nisso!
    rs
    Um tanto quanto curioso, exagerado (como vc mesma achou) e até mesmo fútil (eu tacaria a coleira de diamantes de 9 mil euros na cabeça da dondoca que enterrou tal joia com o cachorrinho morto), mas para quem curte visitas em cemitério, é uma divertida pedida!
    😉

    • Renata Rocha Inforzato Responder    

      21 de setembro de 2018 at 9:41

      Oi Juliana, eu entendo enterrar o bichinho, até porque eu mesma adoro os meus (mais do que vários parentes, diga-se de passagem), mas tem gente que exagera. Mas é um passeio super legal, vale a pena

  • Dayana Responder    

    6 de novembro de 2017 at 10:42

    De tudo o que vi em Paris, evitei demais o cemitério hahaha mas parece uma visita , no mínimo, interessante.Quem sabe não tomo coragem?

  • Keul Fortes Responder    

    6 de novembro de 2017 at 18:42

    Muito diferente esse tipo de passeio. Mas na França tudo vale né! Achei interessante principalmente as fotos.

  • Lid Costa Responder    

    6 de novembro de 2017 at 22:17

    Com certeza um lugar diferente para conhecer! Achei muito interessante a forma como você contou a história do lugar e nos mostrou os túmulos mais diferentes. Gostei do detalhe do túmulo que o dono colocou o pote com os brinquedos do cachorro.

    • Renata Rocha Inforzato Responder    

      21 de setembro de 2018 at 9:47

      Oi Lid, obrigada! Acho a história deste cemitério super interessante, principalmente porque ele é muito antigo. bjs

  • Contramapa Responder    

    7 de novembro de 2017 at 18:30

    Que interessantes! Já estive várias vezes em Paris e nunca tinha ouvido falar…. Provavelmente da próxima vez vou querer visitar porque gosto de descobrir esses locais meio insólitos. Obrigada pela dica!

  • Edson Amorina Jr Responder    

    9 de novembro de 2017 at 11:24

    Ok, nunca pensaria numa passeio desse… hahaha…de ir num cemitério de animais perto de Paris. Mas gostei de conhecer pelo seu post, bem interessante.

  • angela sant anna Responder    

    11 de novembro de 2017 at 20:17

    q interessante, nunca tinha visto um tao grande assim! so conhecia aquele de blumenau, q alias eh apenas gatos de uma mulher

  • Marlos Vasconcelos Responder    

    17 de março de 2019 at 22:41

    O portal de entrada do Passeio Público em Curitiba é uma réplica do portal desse cemitério.

  • Wally Sant'ana Responder    

    1 de outubro de 2020 at 2:57

    Em 2015 eu participei de um congresso em Paris. Em um dia meus colegas foram visitar a Disneylândia e eu fui procurar o cemitério, porque o portal dele é igual do Passeio Público de Curitiba, minha cidade.

    Infelizmente não consegui achar o cemitério naquela viagem. Desci na Estação Gabriel Péri e me perdi andando por algumas horas. Tive vergonha de perguntar pelo cemitério. Tomara que consiga visitar numa próxima…

    • Renata Rocha Inforzato Responder    

      17 de novembro de 2020 at 23:19

      Oi Wally, tomara que você consiga visitar na proxima. Vc acabou descendo do outro lado da cidade. No final do post expliquei como ir até la.

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