Carpentras

Carpentras – a minha bela surpresa na Provence

4 de novembro de 2016

Last Updated on 27 de agosto de 2019 by Renata Rocha Inforzato

Em julho, fui para a Provence. Meu destino era o vilarejo de Sault, mas como não tinha transporte direto de Paris até lá, acabei ficando algumas horas em Carpentras para pegar um ônibus. Mas, o que era apenas para ser uma escala em uma viagem, acabou se transformando em uma bela descoberta, e que terá direito a retorno.

Carpentras

Carpentras é uma cidade que fica na Provence, a 25 km de Avignon e a 572 km (685 km pela estrada) de Paris. Ela tem uma história toda particular. O lugar teria origem há mais de cinco séculos da nossa era. O nome Carpentras teria vindo de Carpentoracte Memimorum e ela seria a capital da tribo celta dos Mémines.

Carpentras

Aí os romanos vieram e a batizaram com o nome de Forum Neronis. Pela sua localização privilegiada, torna-se um centro de trocas e de comércio, desenvolvendo-se rapidamente. O tempo passa, até que, no século XII, a Provence é dividida entre os condes de Barcelona e de Toulouse. Carpentras fica com o segundo.

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A cidade, então, faz parte do Comtat Venaissin, uma região estratégica. O nome Venaissin parece vir de Venasque, a antiga capital, que teria abrigado os primeiros bispos entre o século V e IX. Comtat é outra forma de falar “condado” em francês.

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Em 1229, começaria um período que marcaria a história de Carpentras por mais de cinco séculos. Nesta data, o conde de Toulouse, Raymond VII, é derrotado por Louis IX (Saint Louis), rei da França, na guerra des Albigeois – inicialmente uma cruzada contra os hereges, principalmente os cátaros, mas que se transformou em luta por terras – e deve ceder o Comtat Venaissin ao Papa.

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Começa aí uma época de grandes obras arquitetônicas e artísticas. A cidade atrai várias ordens religiosas – que constroem conventos e igrejas – e também artistas e artesãos, responsáveis pela construção e decoração destes edifícios. Em 1320, Carpentras se torna a capital do condado.

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O Palais de Justice

Mesmo com a chegada do Papa em Avignon, no começo do século XIV, o Comtat Venaissin continua independente. Assim, o Sumo Pontífice fica com dois Estados, um ao lado do outro: o condado de Avignon, comprado por ele em 1348, e o condado Venaissin.

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E ainda que o Papa volte para Roma, no século XV, o Comtat Venaissin continua nas mãos do Pontífice. E assim vai até 1791, quando, na Revolução Francesa, a região é anexada à França. E permanece até hoje.

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Os judeus de Carpentras
Outro fato que marcou a história da cidade foi a presença dos judeus. No século XIV, eles foram expulsos do território francês por Philippe le Bel (o mesmo que mandou queimar os templários).

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Por incrível que pareça, é o Papa que os acolhe na região de Carpentras. Mas, mesmo assim, a vida deles não é fácil. Primeiro, eles devem usar um símbolo, uma rodela costurada à roupa, para serem identificados. Depois, chegam a ser expulsos do condado, sendo recebidos de volta alguns anos depois, em 1337.

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Depois do retorno ao Comtat Venaissin, a vida dos judeus melhora ou piora de acordo com a bondade de cada bispo ou mesmo do Papa do momento. Por exemplo, o bispo Jean III Roger, que os acolhe de novo na cidade, autoriza a construção de uma nova sinagoga – a antiga havia sido destruída – e lhes dá um cemitério. O bairro judeu se muda para o centro da cidade.

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Já o papa Bento XIII, no século XV, proíbe que os judeus exerçam as profissões de banqueiro e médico. Detalhe que 75% dos médicos da região são judeus. E o Concílio de Carpentras, em 1446, proíbe que assistam às cerimônias cristãs.

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E não para por aí: outro concílio, o de Bâle, cria as Carrières, os guetos judeus. O nome vem de carrièro, que em Provençal quer dizer rua. O da cidade é aberto em 1461, em uma só rua: a rue de la Muse. A partir desta época, a presença dos judeus só é tolerada em quatro cidades da região: Carpentras, Avignon, Cavaillon e Isle sur la Sorgue. E eles devem ficar nos guetos, que são fechados à noite, e usar um chapéu amarelo para circularem livremente, o que era permitido sob certas condições.

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E a população judaica não cessa de crescer, em um espaço que é sempre o mesmo. Apesar disso, a partir do século XVII, a situação começa a melhorar. Eles parecem mais livres. No começo do século XVIII, são autorizados a reformar a sinagoga, que já estava pequena e em ruínas. No entanto, ela não poderia ser maior e nem mais alta que as igrejas católicas.

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A Revolução Francesa os liberta, tornando-os cidadãos franceses. Muitos deixam Carpentras, mas a cidade até hoje abriga muitos judeus, com a sinagoga em atividade e uma comunidade bem ativa. O gueto foi destruído no século XIX, mas as ruas da cidade ainda guardam lembranças deste período.

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Visitando Carpentras
Como escrevi acima, passei apenas uma tarde na cidade. Então, não deu para ver muita coisa e vou voltar em breve. Além disso, quando fui, vários lugares estavam em restauração e algumas praças interditadas, pois, no final de semana seguinte, iria acontecer um evento de MotoCross.

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Apesar de ser uma cidade pequena, achei Carpentras movimentada em relação a outras cidades pequenas que visitei. Vi muitos jovens também. E, como era verão, fazia muito, mas muito calor. Acho também que foi o lugar mais quente da França que visitei até agora. Abaixo segue uma lista de algumas atrações do lugar.

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1) Cathedrále Saint-Siffrein – O nome vem do bispo e santo padroeiro da cidade, que viveu no século VII. Seu estilo é o gótico meridional, ou seja, o do Sul da França, que tem um aspecto mais robusto que o tradicional.

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Ela possui 58 metros de comprimento, e assim como muitas igrejas francesas, sua construção durou mais de um século: começou em 1405, sob a ordem de Bento XIII, último Papa de Avignon, e foi até 1531. Ela foi construída no lugar de uma antiga catedral de estilo românico, do século XIII, cujos vestígios podem ser vistos perto do flanco norte da cabeceira da igreja.

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O interior abriga várias obras de arte de diferentes artistas que vieram a Carpentras, atraídos pela demanda artística que a Igreja e suas ordens suscitavam. Um dos destaques é o belo conjunto de vitrais do século XV.

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A catedral também abriga algo curioso: a Porte Juive. Ao mesmo tempo em que protegia os judeus, a Igreja tentava convertê-los. Por exemplo, as crianças eram obrigadas a seguir o Catecismo a partir dos dez anos. Poucos judeus foram convertidos, mas aqueles que se tornaram católicos eram obrigados a entrar na catedral somente por esta porta.

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Em cima da Porte Juive, há uma escultura diferente: uma esfera sobre a qual correm ratos. Chamada de Boule aux Rats, não se tem muita certeza sobre o que ela representa. Alguns dizem que é uma referência à peste, trazida do Oriente para a Europa por ratos e que fez mais de 150 mil vítimas na região.

Cathédrale Saint-Siffrein
Place du Général de Gaulle
Horários: terça a sábado, das 7h30 às 12h e das 14h às 17h.

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2) Sinagoga – No século XIV, os judeus constroem uma nova sinagoga, pois a anterior havia sido destruída quando eles foram expulsos da região. As obras começam em 1367. É a mais antiga da França em atividade. Podemos ver várias partes dela que datam desta época.

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A Sinagoga, à direita

No século XVIII, ela ficou pequena e precisava de reformas. Então, novamente os judeus conseguem uma autorização para ampliá-la. Então, hoje podemos ver o térreo, do XIV, onde estão as piscinas e banhos, enchidos com água da fonte. Tem a padaria e os fornos, que foram usados até o começo do século XX. E no primeiro andar, do século XVIII, a sala de culto, com todos os objetos e símbolos tradicionais. Por causa dos atentados na França, não é possível tirar fotos lá dentro.

Synagogue de Carpentras
15 Place Maurice Charretier
Horários: segundas e quartas, das 10h às 12h e das 15h às 17h. Terças e quintas, das 9h às 12h e das 14h às 17h. Sextas, das 10h às 12h e das 14h às 16h.

3) Porte d’Orange – No século XIV, as muralhas da cidade foram ampliadas. Essa fortificação chegou a ter 32 torres redondas e semi-redondas. Porém, hoje só uma delas ainda está de pé: a Porte d’Orange.

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Ela tem 26 metros e foi salva da destruição no século XIX, quando Carpentras passou por um processo de reurbanização. Ao subirmos nela, a vista é muito bonita: quando o tempo está limpo, podemos ver até o Mont Ventoux, um dos pontos culminantes da Provence. A visão da cidade também não fica atrás: ali do alto, vemos as torres das igrejas, as arquiteturas das construções provençais. Tudo parece meio poético ali de cima.

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O Mont Ventoux (o pico branco)

4) Arc Romain – Como escrevi acima, Carpentras pertenceu aos romanos. Ela foi uma cidade importante, com o nome de Forum Neronis. Desta época, resta apenas uma construção: um arco situado na Place d’Inguimbert.

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Construído no século I d.C., ele possui um só arco. O destaque vai para a escultura que o decora: dois cativos acorrentados a um troféu. O monumento foi construído para comemorar a vitória dos romanos sobre os bárbaros.

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5) Passage Boyer – É uma passagem erguida no século XIX, seguindo a moda das passagens cobertas por toda a França. Ela foi construída de 1846 a 1848, por iniciativa de Jean Boyer, ourives da cidade e que chegou a ser assessor do prefeito. A passagem tem 90 metros de comprimento por 5 m de largura.

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6) Beffroi – No século XIV, foi instalada a Maison Commune. Ela possuía vários cômodos que eram ligados por uma escadaria em espiral, situada em uma torre. Esta última era coroada por um campanário construído 1577. Em 1713, a construção é devastada por um incêndio. E hoje, a Torre é o único vestígio. Em francês, Beffroi é o termo para designar um campanário, mas de edifícios civis.

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7) Construções históricas – Carpentras abriga várias construções históricas de diferentes épocas. Um exemplo é o Hôtel de Ville, datado do século XVIII, onde funciona a prefeitura da cidade. Ou o Hôtel-Dieu, também do século XVIII, fundado pelo bispo Malachie d’Inguimbert e que abriga uma farmácia da época.

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8) Praças e fontes – Na Provence, as praças têm lugar especial. Despojadas, quase sempre com uma fonte no meio, são verdadeiros pontos de encontro na cidade. Carpentras abriga várias delas, como a Place d’Inguimbert, onde fica o Arc Romain; a Place de la Juiverie, onde ficava o gueto; a Place Maurice Charretier; a Place Charles de Gaulle, entre outras.

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A Place Charles de Gaulle e uma de suas fontes

Essas duas últimas me chamaram atenção por causa das suas fontes. A da Charles de Gaulle é uma das mais diferentes que vi até agora, pois no norte da França não é comum ter fonte assim. Na verdade ali na praça são duas fontes, alimentadas, cada uma, por uma cabeça. E a bela obra da Place Maurice Charretier é a Fontaine de l’Ange. Construída em 1731, ela foi destruída em 1904 e reconstruída cem anos depois.

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A Fontaine de l’Ange

9) Ruas – As ruas estreitas de Carpentras são um convite para serem exploradas. Mas, apesar da cidade ser pequena, elas são super animadas, ao menos foi a impressão que tive. Há a charmosa rue des Halles, medieval, que tem esse nome porque abrigava os halles (mercado coberto) do lugar. Ou a rue de la République, com bastante comércio, uma das artérias da cidade. É difícil citar todas pelas quais andei e admirei. E, durante o verão, estavam quase todas enfeitadas por bandeiras com obras de arte de mais de 200 artistas internacionais (Festival Les Papillons).

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Rue des Halles

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10) Museus – Uma cidade que pertenceu por tanto tempo aos papas não poderia ser pobre em arte. Carpentras abriga vários museus, como o Musée Sobirats, de artes decorativas, que restitui uma morada aristocrática do século XVIII. Ou o Musée Comtadin-Duplessis, que abriga a coleção de pinturas da cidade, além de um rico acervo em arte, objetos e tradições populares que contam a história da região.
Tem até uma capela transformada em centro cultural e que abriga as exposições temporárias da cidade: a Capela do Colégio dos Jesuítas, construída em 1628 e cuja fachada nunca foi terminada. Fora o Hôtel-Dieu, já citado aqui no texto. Mas os museus de Carpentras vão ser assunto para um post à parte.

O Hôtel-Dieu
O Hôtel-Dieu

Olha, mesmo que você venha rapidinho, como eu vim, vale a pena visitar Carpentras. É uma cidade alegre, agradável, bonita e também com muitas coisas gostosas para comer. Mas, as delícias que provei ali também serão assunto para outro texto.

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Como ir a Carpentras – De Paris, na Gare de Lyon, você pega um trem para Avignon. Se preferir, pode ir até a estação de Marne la Vallée (perto da Disney) e pegar o trem Ouigo. Em ambos os casos, nas estações Avignon ou Avignon TGV, pegar o trem para Carpentras. A viagem de Paris a Avignon dura cerca de 2 horas e quarenta. E de Avignon a Carpentras uns 30 minutos. Mais informações, consulte o site da companhia de trens francesa SNCF. Para saber mais sobre Carpentras, veja o site de turismo da cidade.

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Renata Rocha Inforzato

Sou de São Paulo, e moro em Paris desde 2010. Sou jornalista, formada pela Cásper Líbero. Aqui na França, me formei em História da Arte e Arqueologia na Université Paris X. Trabalho em todas essas áreas e também faço tradução, mas meu projeto mais importante é o Direto de Paris. Amo viajar, escrever, conhecer pessoas e ouvir histórias. Ah, e também sou louca por livros e animais.

Comentários (20)

  • Giulia Sampogna Responder    

    6 de novembro de 2016 at 0:43

    Como são as consciências da vida. Você poderia ter passado por essa cidade batido e não ter conhecido nada desse lugar lindo. Adorei o post e as fotos.

  • Larissa Responder    

    6 de novembro de 2016 at 13:34

    Que lugar lindo! Que arquitetura, que jardins! Tudo cheio de história! E coitados dos judeus, sempre perseguidos 🙁

  • Fábio Junior Alves Responder    

    6 de novembro de 2016 at 14:59

    Linda Carpentras, não conhecia, entrou para nossa lista de desejo!

  • Fernanda Souza Responder    

    6 de novembro de 2016 at 16:17

    Quanta história tem a cidade de Carpentras. Uau! A cidade parece ser uma graça. Eu adorei as fontes e a Passage Boyer.

    • Renata Rocha Inforzato Responder    

      27 de novembro de 2016 at 22:23

      Oi Fernanda, obrigada. A cidade é uma graça mesmo, dá vontade de ficar horas sentada na praça, bebendo um vinho rosé. Um beijo

  • Gabi Moniz Responder    

    7 de novembro de 2016 at 11:54

    Encantada com a riqueza de detalhes sobre a história de Carpentras! Não conheço nada da Provence, mas vontade é o que não falta 😉
    Amei o post!!!!

  • Luciana Rodrigues Responder    

    10 de novembro de 2016 at 8:23

    Você sabe que uma das piadas que os italianos fazem é: “Por que o Papa não ficou de vez em Avignon”?
    Seu passeio foi lindo demais, Renatinha.

  • Martinha Andersen Responder    

    1 de dezembro de 2016 at 20:09

    Adorei Carpentras… Não, não conheço pessoalmente, mas depois desse post já quero! =)

  • Direto de Paris - Jornalismo em Paris Responder    

    27 de dezembro de 2016 at 20:31

    […] diversos eventos bem originais. E Carpentras já é interessante o ano todo – você pode ver este post que escrevi sobre ela – imagine, então, na época de Natal. É […]

  • Direto de Paris - Jornalismo em Paris Responder    

    7 de janeiro de 2017 at 20:30

    […] viagem, também tive o prazer de conhecer Carpentras, experiência que conto neste texto sobre a cidade. E também passei alguns dias em Avignon, bem na época do festival de teatro. Outra […]

  • José Ricardo Pereira Responder    

    22 de outubro de 2017 at 15:28

    Adorei, mais um post super completo e focado na história e na arte, e França tem cidades pequenas/vilarejos lindos! Para ficar mais perfeito, só se tivessem os famosos campos de lavanda da Provence lá pertinho!

  • Direto de Paris - Jornalismo em Paris Responder    

    28 de outubro de 2017 at 1:00

    […] em torno do vinho, ou de produtos típicos de suas regiões – como o morango da cidade de Carpentras, por exemplo -, ou até mesmo da música e da dança. Vi alguns grupos inspirados no Brasil e até […]

  • Direto de Paris - Jornalismo em Paris Responder    

    16 de novembro de 2017 at 0:53

    […] da cidade. Se ainda precisa de mais incentivo para visitá-la, veja o texto que escrevi sobre a história e atrações de Carpentras e o outro sobre o Noëls Insolites, o natal diferente da […]

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