Em Pauta

Atentados em Paris – Um relato de quem estava perto de onde tudo aconteceu

3 de dezembro de 2015

Last Updated on 27 de agosto de 2019 by Renata Rocha Inforzato

Como vocês sabem, eu não estava aqui em Paris quando ocorreu os atentados que deixaram 132 mortos. Queria muito escrever sobre o tema, mas por não ter sentido o clima da cidade, não me sentia apta a fazer isso. A Monica Toledo é fotógrafa e uma grande amiga. Ela estava hospedada na République, ali pertinho de tudo, onde sua filha mora. Pedi para a Monica escrever um texto contando o que viu e sentiu e ela gentilmente aceitou. Compartilho com vocês o relato.

Boulevard Richard Lenoir. Foto: Monica Toledo
Boulevard Richard Lenoir. Foto: Monica Toledo

“Treze de Novembro de 2015.
Após visitar o Grand Palais, que estava apresentando a expo Paris Photo 2015, fui caminhar pelo Marché de Noël na Champs-Elysées. Um dia movimentado em Paris, cheio de atrações e inaugurações de eventos.
No estádio de futebol, um amistoso entre França e Alemanha. Como sempre faço, aproveitei para tirar algumas fotos da roda gigante da Place de la Concorde, jantei em um dos pequenos restaurantes montados
na Champs-Elysées, observei algumas pessoas, conversei com outras e, como havia esfriado, resolvi voltar pra casa por volta de 20h30.

Grand Palais
Grand Palais. Foto: Monica Toledo

Entrei na linha 1 até a estação Bastille e de lá peguei a linha 5 até République, onde, no monitor da estação, li que graves perturbações ocorriam no RER D. Segui meu caminho, pois não afetaria meu trajeto.
Desci na estação République, pois adoro cruzar essa praça. De uma maneira estranha, nenhuma manifestação acontecia, somente uns poucos meninos andando de skate, como é usual. Passei no mercado do bairro para comprar água e, atravessando a rua, ouvi algumas conversas nervosas, mas nada mais me chamou a atenção.

Marché de Noël des Champs-Élysées. Foto: Monica Toledo
Marché de Noël des Champs-Élysées. Foto: Monica Toledo

Entrei em casa e, minutos depois, comecei a ouvir várias sirenes de polícia. Minha filha me chamou. Ligamos a televisão e as notícias começavam a chegar. Nada muito claro ainda, ninguém sabia ao certo o que acontecia, mas Paris estava em pânico.

Boulevard Voltaire. Foto: Monica Toledo
Homenagens no Boulevard Voltaire. Foto: Monica Toledo

Quando começaram a falar na localização dos acontecimentos, me dei conta de que estava no epicentro.
O Bataclan está a 300 metros de casa, os outros bares e restaurantes não são muito distantes. A polícia pedia pelo Twitter e pela televisão para que as pessoas ficassem em casa e fechassem as janelas. O noticiário avisou que o Bataclan seria invadido. Duas explosões se seguiram. Senti medo.

Bataclan. Foto: Monica Toledo
Bataclan. Foto: Monica Toledo

Era uma noite de terror, sem sombra de dúvidas. Mas, aos poucos, as pessoas se mobilizavam para acolher quem não podia voltar pra casa, pois Paris ficou cercada. Os táxis lotavam seus carros para tentar levar quem estava andando pelas ruas e não entendia o que estava acontecendo.

Place de la République. Foto: Monica Toledo
Place de la République. Foto: Monica Toledo

Vizinhos do Bataclan recebiam em suas casas os feridos ou quem estava em estado de choque. A imprensa, ao vivo, passava o máximo de informações que conseguia. O presidente François Hollande se manifestou e em seguida foi ao local mais afetado pelos atentados. Consegui dormir só depois das 5 da manhã.

Homenagens perto do Café La Belle Equipe, onde 19 pessoas foram mortas. Foto: Monica Toledo
Homenagens perto do Café La Belle Equipe, onde 19 pessoas foram mortas. Foto: Monica Toledo

Quando despertei tive coragem de sair e ver como estava o bairro em que gosto tanto de caminhar. A imprensa mundial já estava tomando o Boulevard Richard Lenoir, pois muitas ruas estavam cercadas.
No rosto das pessoas o medo, a incerteza e a insegurança eram evidentes. Flores e velas já estavam sendo colocadas o mais próximo que a polícia permitia da casa de show, pois a perícia estava no local desde a madrugada. Não consegui ficar muito tempo por ali. Era muito pesado. Muito triste. Ainda não se entendia direito todo aquele terror.

Homenagens perto do Café La Belle Equipe, onde 19 pessoas foram mortas. Foto: Monica Toledo
Homenagens perto do Café La Belle Equipe, onde 19 pessoas foram mortas. Foto: Monica Toledo

No domingo, saí mais cedo de casa. Queria ir até a République e tentar ver os outros locais atingidos.
O que vi foi uma procissão de pessoas quietas, perdidas em seus pensamentos e sentimentos, a dor estampada no rosto. Não tinha início, não tinha fim. Todos fazendo o trajeto da tristeza. Do Bataclan ao Le Petit Cambodge, passando por todos os bares e voltando à République, num silêncio que podia-se tocar com as mãos.

Pessoas em frente ao Le Carillon, onde 15 pessoas foram mortas. Foto: Monica Toledo
Pessoas em frente ao Le Carillon, onde 15 pessoas foram mortas. Foto: Monica Toledo

Vi meninas sentadas no chão acendendo as velas que o vento teimava em apagar, mas elas eram mais teimosas que o vento e acendiam novamente, quantas vezes fossem necessárias. Vi jovens se abraçando, chorando, sentindo uma dor que não sei calcular, depositando flores e os corações que, com toda certeza, estavam despedaçados. Senhoras, senhores, crianças, todos estavam nas ruas, recolhidos em sua dor.
No final da tarde, sentei no Boulevard, pois ali alguém disponibilizou giz e as pessoas começaram a escrever no chão mensagens de Paz, ou de dor, ou de raiva.

Giz no Boulevard Richard Lenoir. Foto: Monica Toledo
Giz no Boulevard Richard Lenoir. Foto: Monica Toledo

Sim, a raiva estava presente. A cena que mais me tocou foi um rapaz que, vendo aquela manifestação, ficou ali, parado, quieto, pensando não sei em que ou em quem. Vi as lágrimas escorrerem em seu rosto jovem, lágrimas que, se tocadas, queimariam as mãos de quem as tocassem. Depois de algum tempo, ele pegou um pedaço de giz e escreveu sua mensagem de raiva, dor, tristeza. E chorou e eu chorei e minha filha também chorou. Tive vontade de abraçá-lo, como tive vontade de abraçar cada pessoa que depositava flores, acendia velas ou derramava suas lágrimas.

Homenagem próximo ao Bataclan, onde 90 pessoas morreram. Foto: Monica Toledo
Homenagem próximo ao Bataclan, onde 90 pessoas morreram. Foto: Monica Toledo

Sou fotógrafa e meu tema preferido é Paris, mas não consegui fotografar tudo o que vi. O respeito foi maior. Guardei pra mim a cidadania do povo parisiense, o respeito, a dor e a vontade de voltar à vida normal. O amor pela pátria, a força de um povo que não se deixa abater. O silêncio de cada um vai ficar na minha memória, a expressão no rosto das pessoas que cruzei no meu caminho, os pequenos gestos – como colocar uma vela na janela ou ouvir uma música com as janelas abertas – que demonstram que Paris é e sempre será a Cidade Luz.”

Homenagens perto do Café La Belle Equipe, onde 19 pessoas foram mortas. Foto: Monica Toledo
Homenagens perto do Café La Belle Equipe, onde 19 pessoas foram mortas. Foto: Monica Toledo

Para quem me pergunta se é seguro viajar a Paris, digo: é. Apesar de tudo o que aconteceu, a capital francesa é uma cidade segura e o governo aumentou a vigilância. Tem mais polícias nas ruas e mais controles de quem entra e sai. Claro que a gente não pode prever 100% as coisas, mas, se for pensar nisso, nem saímos de casa, não é verdade? Continuo me sentindo segura aqui. Até porque se sentisse o contrário simplesmente não voltaria para cá, já que minha família está no Brasil. Então, sem falsa modéstia, a melhor garantia de segurança que posso dar é o fato de eu mesma ter voltado. Para quem quiser acompanhar o trabalho da Monica Toledo, ela tem uma fanpage no facebook com fotos muito legais. Você também pode adquirir os livros que ela já publicou. Está tudo lá. E aproveito para agradecer a ela por compartilhar aqui conosco este depoimento. Espero que fatos assim sejam cada vez mais raros até que acabem de vez. Ainda acredito na Humanidade

Enfeite de Natal. Marché de Noël des Champs-Élysées. Foto: Monica Toledo
Enfeite de Natal. Marché de Noël des Champs-Élysées. Foto: Monica Toledo

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Renata Rocha Inforzato

Sou de São Paulo, e moro em Paris desde 2010. Sou jornalista, formada pela Cásper Líbero. Aqui na França, me formei em História da Arte e Arqueologia na Université Paris X. Trabalho em todas essas áreas e também faço tradução, mas meu projeto mais importante é o Direto de Paris. Amo viajar, escrever, conhecer pessoas e ouvir histórias. Ah, e também sou louca por livros e animais.

Comentários (17)

  • Ivamar Responder    

    4 de dezembro de 2015 at 0:45

    Oh, que relato bacana! Obrigada a vocês duas por dividir com a gente o que viverem naqueles momentos. Consegui “sentir” a sua emoção, viu Monica… Pena, lamentável toda essa intolerância!
    Bjs e obrigada

  • Monica Toledo Responder    

    4 de dezembro de 2015 at 1:35

    Eu que agradeço, Renata. Agradeço o espaço e a confiança.

  • Gislaine Responder    

    4 de dezembro de 2015 at 11:10

    Parabéns pelo texto, Mônica. Você soube descrever esse momento tão triste da nossa Paris, com simplicidade, respeito e solidariedade ao povo francês. Além de olhar sensível para as fotos, você tbem escreve muito bem! Você e a Renata fazem uma dupla perfeita!!

  • jr caimi Responder    

    4 de dezembro de 2015 at 15:18

    Ótimo relato, parabéns!

  • Patricia Kalil Responder    

    6 de dezembro de 2015 at 13:43

    Oi Renata,
    Que texto incrível. Quanta sensibilidade nas palavras da Monica!
    Agradeço às duas por ter compartilhado conosco essa terrível experiência, mas de um modo tão humano. Ai, não sei explicar, vou guardar esse texto porque é maravilhoso.

    Beijos

    Pati

    • Monica Toledo Responder    

      7 de dezembro de 2015 at 1:40

      Agradeço suas palavras, Patricia.

    • Renata Inforzato Responder    

      8 de dezembro de 2015 at 12:06

      Oi Pati, adoro quando você vem aqui e comenta. Obrigadão e um beijo

  • Cristina Souza da Rosa Responder    

    10 de dezembro de 2015 at 15:25

    Um post muito lindo e sentimental. Deu para sentir o que as pessoas sentiam e vivam nas ruas depois do atentado. Posts assim são sempre bem-vindos, pq só dão animo e força. Um beijo.

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